Moda

André Namitala e Isabela Capeto discutem sobre inspirações e reconhecimento

Com peças de fibras naturais e bordados no portfólio, André Namitala e Isabela Capeto abrem o coração, na edição especial da Diálogos, para falarem sobre criação na construção de suas peças e valor de marca

André Namitala lançou a Handred em 2012 e nunca se desviou de seu propósito de oferecer uma moda feita com fibras naturais e modelagens amplas que vestem qualquer gênero. Ex-integrante do projeto de Novos Talentos do Veste Rio, idealizado pelas revistas Vogue Brasil e Ela, faz parte do line-up do SPFW desde 2018 e possui três lojas próprias.

Isabela Capeto debutou a marca que leva seu nome em 2003. Conquistou clientes nacionais e internacionais e fez seu nome graças às peças que celebram o artesanal, com bordados e muita cor. Em 2008, vendeu 50% da marca para o grupo InBrands, em uma época que fusões e aquisições marcaram a moda nacional. A parcela foi recomprada por ela em 2011.

André: Isa, queria saber como o manual te move nas suas criações. Quando você se deu conta de que a sua história seria melhor contada através de bordados, patchworks e recortes?

Isabela: Nunca pensei que meu trabalho seria em cima disso, foi acontecendo. Comecei assim mais para consertar os erros, a bainha, a costura que não chegava direita. Via como um quadro que não estava acabado e ia bordando, aplicando, sempre para melhorar. Virou quase que um vício, uma obsessão. Sou intensa, gosto do excesso. Sou supergulosa, minha casa é cheia de coisa. Isso transparece no trabalho. Lido bem com o erro. Já passei por tantos momentos difíceis que meu analista mesmo fala que, quando algo não dá certo, consigo levar com muita calma. Minha primeira filha, que morreu com um mês. Depois que vivi isso, dei um outro valor às coisas, sabe? Então, quando algo acontece, como ter vendido e recomprado minha marca, consigo manter a calma. Até fico histérica com outras coisas, mas quando a situação está difícil, sou ótima. Já quando as coisas estão boas, eu fico com medinho de que aconteça algo. E você, André, o que te tira o sono hoje?

André: Dinheiro, com certeza. É uma roda que parece estar sempre maior do que um mês atrás. Qualquer melhoria que você queira fazer, desde aumento de salário, comprar uma máquina nova, comprar um tecido novo, tem que botar mais dinheiro. E o financeiro é uma questão que foge totalmente do meu controle, óbvio que tem planejamento, mas nosso mercado é muito dinâmico. Se acabou a luz da costureira, se alagou uma região, se tem tiroteio no Rio de Janeiro e a loja não vende… A produção depende de todo mundo, você não tem muito controle, é trabalhar com uma certa ansiedade. Parece que você nunca olha e diz: “Ai, meu Deus, estou bem pra caramba”.

Isabela: Eu fico vendo amigos meus que trabalham em outras áreas, eles têm que matar um leão por mês, o nosso é um leão diário.

Isabela: Recentemente, você completou dez anos de marca. O que pretende com a Handred para os próximos anos?

André: O meu crescimento é muito baseado na capacidade produtiva. Quero poder continuar fazendo o que estou fazendo, com um pouco mais de estrutura. É quase que impossível na minha cabeça que minha roupa seja feita externamente. Num futuro, talvez eu tenha uma fábrica minha, não me vejo terceirizando. E o meu cliente é a minha crítica, ele que me dá o dinheiro, me dá a opinião, e que critica. Eu faço a roupa para o cliente.

André: Isa, sabemos que o artesanal é uma arte infinita, mas pode ser uma via perigosa, uma vez que temos que respeitar o tempo das mãos e do ofício. É um tempo quase que inverso ao frenesi em que vivemos, da internet, dos modismos e, principalmente, dos prazos. Como manter prazos e ser fiel ao artesanal em sua máxima potência?

Isabela: Estou sempre correndo contra o tempo. Me encanta o trabalho artesanal ter seu próprio tempo, uma peça nunca ser igual à outra, acho incrível. Só que dá trabalho. Muitas vezes tenho vários processos em uma única peça, e estou sempre atrasada. Eu realmente estou sempre atrasada. Lido com uma coisa que é totalmente manual. Por isso, lido também com a tia que morreu, a fulana que não sei o quê. A peça sempre chega depois. E aquelas peças superespeciais acabam chegando por último, depois do prazo ideal de venda. Mas e aí? Eu vou liquidar a jaqueta que acabou de ser feita? Como minhas peças são muito atemporais, jogo para a coleção seguinte.

André: Prefiro que uma peça chegue atrasada, mas que me sinta 100% seguro com relação a ela em vez de continuar algo que não vou amar quando chegar à loja.

Isabela: Até porque aí não vai vender. Se você não fez com amor, não vai vender.

André: Mas é muito legal também quando você vê aquilo ali exatamente como queria. Aquele sentimento de “caraca, não acredito que essa peça saiu daqui, desse ateliê”. Isso me dá um prazer absurdo, principalmente quando você sabe que é uma venda para uma pessoa que entende daquilo ali. Não só o valor financeiro, mas o valor do ofício. Sabe, eu tenho gostado de fazer também roupas sob medida, que você vai criando com a pessoa. E, quando você começa a explicar os processos, a pessoa fica: “Meu Deus, jura que é assim que é feito?”. Porque tem uma coisa muito louca da roupa a granel. Muitas vezes as pessoas não entendem por que as coisas custam quanto custam. Quanto você acha que a costureira ganhou para fazer isso, que o tecido custou, a lavanderia, o bordado, o botão de madrepérola, o botão forrado? Nosso trabalho, às vezes, é muito diminuído, o das costureiras… Moda entrou num lugar muito da porradaria, “tudo que polui é a moda, todo mundo que é escroto trabalha com moda”. Porra, e quanta gente legal tem para fazer isso acontecer, sabe?

Isabela: É lindo como você fala do seu ateliê e dos 55 funcionários de carteira assinada. Conta mais como é esse dia a dia que você mesmo chama de luxo.

André: Chamo de luxo porque estou conseguindo fazer a roupa que quero fazer, na condição de trabalho que eu quero. É muito apertado financeiramente em vários momentos, mas todo mundo está recebendo direitinho, treinado, legalizado. Já vi muita gente crescer, entrar como auxiliar de costura e chegar a chefe de modelagem. Gente que entrou como faz-tudo e virou gerente de operações. A Handred não cresceu comigo sozinho, mas com o esforço de todo mundo. E luxo é também nunca ter tido que fazer camisa polo para me sustentar. Continuo fazendo a minha camisa de linho, de seda, a calça na qual eu acredito, a camisa na qual eu acredito.

Isabela: Quando eu vendi a minha marca, fiquei muito engessada, amarrada. Eles queriam algo no qual eu não acreditava. Depois que a recomprei, fiquei mais livre. Foi muito duro comprar a marca de volta, foi uma luta. Eu acho que a Isabela Capeto chegou em um estágio e um tamanho que posso fazer a coleção na qual acredito. Amo o meu trabalho. As mesmas pessoas trabalham comigo há 16, 17 anos.

Isabela: Apesar de sermos dois cariocas apaixonados por uma moda autenticamente brasileira, Isabela Capeto e Handred são duas identidades bastante diferentes. Como você descreve a estética da Handred?

André: É uma roupa muito pouco complicada, e isso veio um pouco sem querer. Sabia que queria trabalhar com tecidos naturais, não queria usar sintéticos por causa do calor. Ao criar uma roupa com materiais naturais, ela necessariamente não poderia ser grudada no corpo. Então era uma roupa mais confortável, mais ampla. Não é uma montação, tem esse clima meio de férias mesmo você não estando de férias. Eu tive alguma resistência no meu primeiro ano de loja em São Paulo, e depois vivemos uma certa evolução. Acho que a estética da Handred passa uma cultura, sabe? Cultura de conforto, uma roupa que qualquer pessoa pode usar. É uma tela em branco à personalidade da pessoa, ao mesmo tempo é uma roupa que é facilmente identificada como Handred.

André: Quando olho para as suas modelagens, cores, bordados, entremeios, não tem como não ser arrebatado por uma nostalgia gostosa, de muitas épocas atrás, onde adorno, decorativismo e o cuidado com a roupa eram outros. Você tem uma razão por esse gosto nostálgico?

Isabela: Tenho um lado muito feminino. Gosto do carinho, gosto de botar brinco, anel. Na minha casa, quando recebo, gosto de fazer arranjo floral, acho que isso vai para o meu trabalho, do bordado, o laço, o feminino. É tão louco, minhas clientes têm de 15 até 90 anos, e passam suas peças para filhas e netas. Adoro essa coisa nostálgica de uma peça ser passada de mãe para filha. Minhas peças são atemporais, eu mesma estou sempre usando a coleção anterior. E eu sempre fico com as roupas que chegam estragadas.

André: Eu até gosto quando uma peça-piloto aparece manchada. Todo mundo já sabe: é minha.

Isabela: E eu e a Andrea Marques trocamos muitas peças. Quando não aguentamos mais usar algo, a gente troca. E comigo não tem essa história de tamanho. Não tem 38, só 44? Tudo bem, eu amarro um lenço.

André: Você falou um negócio que me chamou a atenção, a gente tem uma coisa de gostar de receber em casa. E a roupa da gente também recebe o corpo de uma outra pessoa, né? Ela acolhe alguém, então, assim, existe um carinho. O carinho de se preocupar com o tecido, com a modelagem, de como a pessoa vai se sentir ao vestir. Existe o respeito da parte de quem quer fazer uma roupa especial. É tipo uma joia, uma coisa que a gente fez com o maior carinho do mundo, não é para acabar na próxima estação, é para ser usada, reusada. É lindo quando alguém fala: “Quero guardar isso para alguém”.

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