No universo da moda, a morte de Karl Lagerfeld, um dos mais importantes estilistas do seu tempo, sempre foi motivo de ansiedade. Sentimento este que não se restringia apenas à óbvia perda de um dos gênios de maior relevância na indústria, mas que também trazia dúvidas sobre o futuro das marcas encabeçadas pelo estilista alemão. Com quase 70 anos de carreira, o famoso diretor criativo da Chanel (posto que ocupava desde 1983, com contrato vitalício) seria com certeza um nome difícil de substituir.
No entanto, a sucessão de Kaiser – como era conhecido nas rodas fashionistas – já tinha nome e sobrenome: Virginie Viard, diretora do estúdio de criação da grife e braço direito do estilista. No mesmo dia de sua morte, 19 de fevereiro, a francesa, que há mais 30 anos colaborava com Karl, foi apontada como sua sucessora. “Ela é uma inspiração. Seu espírito é leve e livre. Para mim, ela é Chanel; dá vida às minhas ideias e às vezes até as provoca”, disse Karl certa vez sobre a colega.
O encontro foi tão peculiar e especial quanto a parceria que a dupla construiu ao longo das décadas. Tudo começou por intermédio de um camareiro do príncipe Rainier III de Mônaco, amigo da família da francesa, que indicou a então jovem estilista para estágio na maison, dentro do ateliê de bordados de alta-costura, em 1987. Filha de médicos e neta de produtores de seda de Dijon, ela se formou na Le Cours Georges, renomada escola de moda de Lyon, e foi na marca da Rue Cambon que Virginie construiu praticamente toda a sua carreira – salvo por um hiato de cinco anos, entre 1992 e 1997, quando trabalhou na Chloé a pedido de Karl, que também comandava a grife na época.
Como diretora do estúdio de criação, posto que ocupou desde seu retorno a Chanel até a morte de seu chefe, Virginie supervisionava a concepção de oito coleções por ano, desde o prêt-à-porter até a alta-costura, e mais duas coleções que não são desfiladas. Ávida pesquisadora do legado de Gabrielle Chanel (é ela quem remexe os arquivos da marca, mantidos em Pantin, a 40 minutos de Paris, procurando referências para cada coleção), a estilista era responsável por transformar a visão de Karl em realidade. “Braço direito (e esquerdo)”, como dizia o próprio, Virginie transformava os famosos desenhos em lápis-colorido e pastel do designer (que ele produzia à mão, um por um) em complexas peças. Mas não só. A estilista também supervisionava a produção de pelo menos 200 costureiras espalhadas em seis ateliês, participava da escolha de modelos, fittings e concepção de desfiles.
Como toda francesa, Virginie é reservada. O estilo segue a mesma linha: é comum vê-la de jeans, pouca maquiagem e com uma franja cheia e perfeitamente desorganizada. Mãe de Robinson, de 22 anos, ela confessa que, apesar de trabalhar para uma grande grife, faz questão de levar uma vida de pouco glamour. “Sempre levei meu filho à escola. Cozinho, faço compras no supermercado, quase não tenho ajuda.”
Apesar de anunciar o triste fim da era de Karl na Chanel – que sob seu comando se tornou uma das mais maiores marcas do mercado de luxo, com US$ 10 bilhões em vendas em 2017, atrás apenas da Louis Vuitton –, a chegada de Virginie é um símbolo para a grife: ela será a primeira mulher desde Gabrielle Chanel a comandar a criação de moda da etiqueta. “Fale-me sobre amanhã”, costumava dizer o estilista alemão à Caroline de Maigret, modelo francesa e uma das embaixadoras da marca. Parece que o amanhã da Chanel, desta vez, é feminino.