Ser “gostosa” está em alta. Nas redes sociais, os memes variam entre “gostosas também sofrem”, “muito difícil ser uma grande gostosa”, “eu sendo uma grande gostosa”, entre outros. Mas, agora, o “ser gostosa” tem outro apelo — principalmente porque a roupa passou a ter um poder maior para que mulheres se descubram assim.
O termo “gostosa” sempre esteve relacionado à visão masculina sobre o corpo da mulher, geralmente indicando corpos curvilíneos, com coxas grossas e seios grandes. Isso também implicava em um tipo de vestimenta mais ousado e revelador, que deixasse à mostra esses “atributos” de um estereótipo de corpo. Decotes, recortes, peças justas e curtas, geralmente, faziam parte do combo do que se esperava que essas mulheres vestissem (apesar de ser considerado vulgar pela parte mais conservadora da sociedade).
Mas, se você já reparou, as gostosas estão tomando seu lugar de fala para além da visão machista. E a moda tem tudo a ver com isso. Afinal, há cada vez mais um movimento sobre ser gostosa para e por si – sem se preocupar com o que os outros pensam –, e a forma de se vestir pode ser um grande trunfo para esse “espírito de gostosa” vir à tona. Nesta reportagem, investigamos como mulheres com diferentes tipos de corpos e de estilos estão se apropriando dessa versão.
Ser gostosa e a relação com a moda
Imagine uma influenciadora de moda com mais de 3 milhões de seguidores que só se vestia de forma mais “modesta” por ter medo de ser vista como gostosa. A vergonha de mostrar o corpo de Lelê Burnier fez com que, por anos, ela achasse que deixar à mostra partes do seu corpo, como as coxas grossas, seria vulgar e a faria não ser levada a sério.
O assunto foi tema de um vídeo que Burnier postou no TikTok no começo do ano sobre a meta de, em 2024, assumir para si esse status. “Em 2024 eu quero exalar a energia de gostosa, e você?”, escreveu na legenda.
Como ela conta na publicação, foi um caminho e tanto para que se sentisse bonita e entrasse nessa “energia”; mas com o apoio de sua comunidade e motivada a criar novos looks devido ao seu trabalho, Lelê começou a explorar mais peças justas e mais curtas e se sentir mais confortável em seu corpo. Assim, a palavra “gostosa” adquiriu um significado relacionado à segurança e confiança.
A empresária Lela Brandão, que também é apresentadora do podcast “Gostosas Também Choram” e dona da marca Lela Brandão Co., fez um processo um pouco diferente. E se ser gostosa também estivesse relacionado a usar calças e blusas largas, que garantissem liberdade e bem-estar?
A partir de sua própria relação com estilo, corpo e autoestima, Brandão criou uma nova perspectiva de como se vestir. Para Marie Claire, ela contou que “competia consigo mesma” para caber nas peças de roupa. Foi um pouco antes de criar a própria marca de roupas, em 2020, que entendeu que ser gostosa é ter conforto. “A moda feminina é o único setor econômico que tem o raciocínio de que o corpo da mulher que deve se adaptar ao produto, e não o produto ao cliente”.
Gostosas confortáveis
Hoje, a empresária vê sua comunidade formada por mulheres que não negociam mais o conforto quando vão se vestir e que já começaram a entender as roupas como um possível caminho de construção de uma relação mais respeitosa com o próprio corpo.
Por isso, ela diz que a empresa “acredita que estar confortável não é abdicar dos decotes e curvas; mas, ao mesmo tempo, o oversized, pode fazer parte do repertório de ‘gostosa'”.
O objetivo, diz, é oferecer conforto, segurança, acolhimento, aliado à sensação de se sentir “uma grande gostosa”. “Hoje eu entendo que estar confortável em si é um caminho para ser gostosa. Olha que coisa boa: unir o útil ao agradável.”
“Quando a gente constroi o que é ser gostosa a partir do olhar do outro, a gente acaba se submetendo a coisas que não necessariamente acreditamos.” — Lela Brandão
Roupa de gostosa para gostosas
Além de ser um comportamento, o “ser gostosa” é algo que movimenta o mercado da moda. Tanto que a estilista paulistana Valérie Anauá fundou a marca de roupas Guettosa, em 2018, que veste mulheres como Jojo Toddynho e a dupla Tasha & Tracie com conjuntos, vestidos e biquínis bastante sensuais e modernos.
A proprietária da marca conta que a criou enquanto passava pelo puerpério, quando percebeu que suas roupas não a serviam mais e que sua autoestima precisava ser ressuscitada. Assim, viu como objetivo desenvolver peças com modelagem que ficassem perfeitas em qualquer mulher: “Foi o que trouxe minha autoconfiança de volta”.
“Hoje a mulher não quer saber a opinião de homem, seja pro trabalho, na vida ou nas roupas que nós usamos, […] isso é ser gostosa.” — Valérie Anauá
Para mirar em um público que atendesse a esse perfil, ela investe em peças variadas, como vestidos longos, midi, com recortes laterais, mais ajustadas ao corpo. Ela destaca que cada roupa é única e, ainda assim, traz uma “energia de gostosa”.
A construção da “gostosura” da mulher
A consultora de estilo Amanda Souza diz que essa confusão entre ser bonita, aceita socialmente e, por fim, se sentir desejada, é comum. São tantos os códigos que dizem o que é ser gostosa ou não, que as mulheres se sentem constantemente pressionadas por essa construção social. Acontece que, segundo a especialista, a beleza sempre foi muito relativa – e não à toa as mulheres despertam para essa realidade quando colocam o tema sob perspectiva. “Se a gente for reparar no que é beleza, no que é gostoso, no que é o ideal, é um padrão que não existe.”
“O ‘ser gostosa’ está na segurança, em como você cuida da sua autoestima, o quanto você se conhece e empodera seu corpo e como você veste seu corpo.” — Amanda Souza
Apesar disso, Amanda admite que existe, socialmente, um “padrão gostosa de qualidade”, que sempre foi imposto pelos homens. Subverter isso é um trabalho e tanto. Só com muitos movimentos de libertação de corpos — especialmente aqueles mais marginalizados, como de pessoas negras e LGBTQIAP+ — é que a balança começa a pender para o outro lado e a beleza começa a ser vista como plural.
Vale se atentar, inclusive, que se sentir bem — ou “gostosa” — com o que veste tem impacto até na saúde mental das mulheres. Segundo pesquisa “Relatório Mulheres Brasileiras”, feita pela empresa de Lela em parceria com o Opinion Box, plataforma de pesquisa e desenvolvimento de produtos, 80% das entrevistadas entendem que suas roupas impactam diretamente na sua saúde mental e na relação com o corpo. Já 39% têm dificuldades de encontrar peças que caiam bem em seus corpos, o que indica uma necessidade de melhor atendimento às demandas das mulheres, já que as roupas têm papel crucial em sua autoestima e emocional.
A onda feminina de reivindicar para si o que é ser gostosa para além da aparência física está cada vez mais forte. A regra é clara: não dá para construir nossa autoestima a partir da validação externa. Para essas mulheres, a “energia de gostosa” está, acima de tudo, atrelada ao conforto na própria pele, exalar confiança, atitude e, claro, ter controle de suas próprias decisões.