Beleza

Influenciadora fala sobre skin picking: ‘Cheguei a me beliscar dormindo e acordava com sangue no lençol’

Desde a pré-adolescência, Camila sofria com machucados que fazia no próprio corpo, algo que foi se agravando conforme os anos se passavam. Aos 19 anos, ela descobriu que tinha um transtorno chamado Skin Picking, ou Transtorno de Escoriação, problema que a fez ter mais dificuldade de socialização e uma baixa autoestima. Agora aos 22, Camila se tornou influenciadora de beleza e uma grande voz para trazer visibilidade ao transtorno, que afeta mais mulheres do que homens

Camila (@lirin.heda) tinha 10 anos quando começou a machucar a própria pele. De início, ela lembra de apertar espinhas e cravos, como grande parte dos pré-adolescentes. Mas o que não era preocupante passou a ser um problema pouco tempo depois. “Essa ‘mania’ se tornou alarmante no momento em que comecei a machucar o meu braço. Não estava passando por situações legais, e não aceitava o meu corpo. Eu era uma mulher gordinha, que sofria bullying, e os machucados vieram a partir disso”, conta, em entrevista com Marie Claire.

Na época, a jovem, hoje com 23 anos, não tinha consciência dos gatilhos que a levavam a se machucar com tanta constância. “Isso só veio com o autoconhecimento. Me beliscar e apertar era algo que me dava satisfação e me aliviava em momentos de desconforto ou ansiedade. Com 12 anos, lembro que eu tinha um machucado no nariz que nunca sarava. Essa foi a minha primeira ferida de verdade, não deixava nem cicatrizar. Aos 13, nem no espelho eu me olhava”, conta.

Dois anos depois, com 15, Camila mudou de escola e a situação melhorou, mas nunca parou de fato. Até que, aos 19, se viu novamente repleta de feridas. “Eu não aguentava mais me ver daquele jeito, então fui a uma dermatologista. Essa decisão veio no começo de 2020. Tinha buracos no meu rosto, seios, braços, barriga, pernas, em absolutamente todas as partes do meu corpo. E não estava cicatrizando. Cheguei a me beliscar dormindo e acordava com sangue no lençol. Os buracos eram tão graves que quase precisei levar pontos. E essa foi a primeira vez que um médico comentou que o que eu tinha era, na verdade, um transtorno.”

Camila recebeu o diagnóstico de Skin Picking, conhecido também como Transtorno de Escoriação, uma condição psiquiátrica caracterizada pelo comportamento compulsivo e repetitivo de beliscar a pele. “Entendi, nesse dia, que o skin picking poderia trazer problemas além das lesões e cicatrizes: eu poderia pegar alguma bactéria através das feridas abertas e ter um risco maior de câncer de pele. O diagnóstico me assustou bastante. Sabia que tinha algo de errado comigo, mas não sabia o que era. A dermatologista me passou para alguns médicos, como psiquiatras. Desde então, vivi altos e baixos.”

“Tento não colocar a minha pele como um parâmetro definidor da minha beleza”
Uma das maiores dificuldades que Camila enfrentou foi com a socialização. Ela lembra de receber olhares e questionamentos sobre os machucados que apareciam em sua pele. “Muitas pessoas olham, perguntam e encaram com nojo. Sempre dizem: “Nossa, por qual motivo você faz isso?”. E a verdade é que nem sempre quero parar e explicar, sei que é só por curiosidade. Se pudesse, ficaria trancada no meu quarto por dias. Os problemas de autoestima são muitos. O ser humano precisa do convívio com outras pessoas, e eu me isolo”, começou.

“Tenho dificuldade em me achar bonita, em especial quando os machucados estão mais evidentes. Viver o dia a dia, vestir as roupas que eu quero, é um desafio. Às vezes, uso manga longa para não aparecer os machucados. Ao mesmo tempo que não quero que ninguém veja o que eu faço em mim mesma, está na minha cara, na minha pele, não tem como deixar pra lá.”

Há alguns meses, Camila se viu obrigada a falar sobre Skin Picking na internet. Antes, ela já criava conteúdo de beleza para o Tik Tok e, quando aparecia com os machucados, era amplamente questionada. Agora, ela revela que debate o assunto para informar e fica feliz com as mensagens de acolhimento que recebe.

“O nicho que criei nas redes sociais é de maquiagem, e fica muito difícil fazer maquiagens sem mostrar o rosto que, em alguns momentos, surge machucado. Os meus seguidores questionavam sobre o que estava acontecendo comigo, e eu falava sem entrar em muitos detalhes, mas ninguém entendia. As pessoas achavam que eu apanhava. Atualmente, estou em seis meses difíceis, onde me machuco com frequência, então decidi falar”, começa.

“Antes, me sentia o único bichinho quebrado e que fazia isso, mas entendi que existem outras pessoas. E se eu conseguir ajudar alguém, está ótimo. Ter colocado para fora, me fez bem. Recebi muitas mensagens de apoio e carinho. Outras também disseram que se sentiam bem por não serem as únicas a passarem por isso. Quero gerar uma rede de acolhimento”, continua.

Nas redes, Camila se tornou uma voz sobre Skin Piking, transtorno mais comum em mulheres, começando normalmente entre 15 e 45 anos. A jovem encara esse papel com responsabilidade. “Às vezes, não me sinto apta. Não sou profissional, mas sim alguém que sofre com esse transtorno. Tomo cuidado no modo como trato disso nas redes. Por isso, digo sempre: procure ajuda adequada. Fico feliz de trazer visibilidade para um assunto que não é visível. As pessoas precisam saber que é um problema, um transtorno como muitos anos.”

Para cuidar das lesões, ela se preocupa bastante com skincare e todos os produtos que coloca no rosto. “Atualmente, cuido muito da minha pele e tenho uma rotina de skincare. Quando estou bem, faço ela todos os dias e de forma muito regrada. Fujo de maquiagem, já que piora a cicatrização. Não estou em um momento muito bom, então busco arrumar o estrago que já foi feito.”

Questionada sobre a percepção que tem da própria beleza, Camila diz: “Sobre autoestima, tenho muito o que falar. Ela é muito pautada na minha pele, e está em baixa. Quando estou maquiada, fico bem com a minha imagem, mas quando a minha pele está limpa, são poucas as vezes que me sinto bem. De qualquer forma, estou melhorando. Entendo que a minha pele não me define. Tento não colocar a minha pele como um parâmetro definidor da minha beleza. É só uma característica minha, e está tudo bem’, finalizou.

De acordo com a dermatologista Claudia Marçal, ‘o skin piking, transtorno de mutilação ou transtorno de escoriação, também chamado de dermatite neurótica escoriada, é o ato da pessoa – muitas vezes na fase da puberdade, que é quando percebemos o maior número de casos – se machucar, se ferir e se automutilar. Ou, então, muitas vezes, por uma causa realmente presente, como acne na região facial, a pessoa manuseia essas lesões, aperta, e tenta arrancar realmente com as unhas. Depois, quando se formam as crostas, ela tira a crosta para machucar de novo, e isso torna-se um ato involuntário, que ela não consegue interromper de forma consciente.”

Além do rosto, outras áreas frequentemente afetadas são braços, peitoral, costas, coxas e glúteos, podendo acontecer até mesmo no couro cabeludo. “Alguns pacientes puxam o cabelo, retiram pelos dos cílios e das sobrancelhas. É um quadro que acomete cada vez mais pessoas no consultório dermatológico e tem uma relação muito evidente com o estado emocional do paciente. Normalmente, esse paciente tem algum quadro depressivo, ou sofre com ansiedade generalizada. Por isso, não basta apenas o acompanhamento com a dermatologista”, continua a especialista.

Paola Pomerantzeff, dermatologista, comenta que o tratamento varia para cada paciente. “A pessoa pode ter escoriações leves e cicatrizes das escoriações anteriores, até “lesões mais sérias”. O tratamento envolve a cicatrização das lesões agudas, evitar infecção, promover a cura da lesão de pele. Mas o foco principal é encaminhar o paciente para um profissional da saúde mental para tratar a causa real e evitar esse comportamento repetitivo.”

Apesar disso, ela comenta que os dermatologistas são os profissionais que quase sempre fazem o diagnóstico de skin picking. “Muitas vezes nós, dermatologistas, somos responsáveis pelo diagnóstico. O paciente nos procura para tratar uma lesão aguda que não está cicatrizando, ou, muito mais frequente, para tratar “manchas e cicatrizes” de escoriações anteriores. O diagnóstico é clínico. De acordo com a localização, a aparência e localizações das lesões e eu sempre pergunto se o paciente tem consciência que causa as lesões em si mesmo. A maioria responde que sim, o que facilita a abordagem sobre a necessidade de tratar a causa que é mental para evitar a propagação desse comportamento e evitar futuras lesões e cicatrizes.”

Claudia Marçal comenta sobre as complicações que o skin picking pode trazer. “O câncer de pele é bastante raro. Na verdade, a menos que seja uma lesão, por exemplo, na região fotoexposta, que seja uma queratose actínica, que é aquela lesão avermelhada que forma uma casquinha que o paciente remove a crosta. Aí sim, nós temos esse risco por um quadro de manipulação e atrito. Muitas vezes, se o paciente está mais imunodeprimido, temos bactérias que a gente precisa tratar do ponto de vista oral, porque existe uma contaminação que não vai responder à medicação tópica. Então, muitas vezes a gente acaba utilizando, além das formulações dermatológicas, um acompanhamento muito de perto de um terapeuta para que ele consiga, na verdade, melhorar principalmente essa questão da ansiedade, da tensão, dos transtornos, da baixa autoestima, de serem segregados pelo grupo, da sensação de não pertencimento, o que leva esses pacientes a usarem a pele como órgão de choque.”

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