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Mulheres são parte importante para história dos charutos, mas foram apagadas por homens; agora, elas reconquistam esse espaço

Com admiradoras ilustres que vão de Beyoncé a Madonna, mulheres têm se aproximado do mundo da charutaria, que por muito tempo é tido como um hobby majoritariamente masculino. A Marie Claire, degustadoras contam que as mulheres são parte importante para a história da ascensão do item a artigo de luxo e que, aos poucos, vão surgindo confrarias totalmente voltadas para elas

A curitibana Carolina Macedo, 32 anos, era a única mulher entre 11 alunos em um curso de profissionalização para se tornar degustadora de charutos – ou, como diz o título oficial, cigar sommèliere. Ela não só foi a aluna que tirou as melhores notas, como foi considerada a melhor da turma. Era uma mulher se formando com honrarias dentro de um ramo, até hoje, muito mais dominado pelos homens – ou mesmo tido como exclusivamente masculino.

Ao longo da capacitação, não estava sozinha. O curso foi ministrado por uma mulher – e uma das figuras mais importantes do ramo de bebidas, charutos e gastronomia do mundo: Mikaela Paim, que se tornou tão influente no segmento que criou uma confraria (nome dado aos grupos que se reúnem para degustar charutos) no Qatar, frequentada por milionários de diversos países.

Carolina já havia feito outros cursos de degustação, mas esse se tornou especial por outro motivo. Foi a primeira vez que recebeu um diploma com a especialização escrita da forma correta: sommèliere, no feminino, e não sommelier. A segunda palavra é a mais usada para se referir a degustadores de todos os gêneros, mas está no masculino.

“Nas três provas que tivemos, tirei nota máxima. Mesmo assim, me questionei muito até receber o resultado”, conta. “Infelizmente, o ramo dos charutos ainda é majoritariamente masculino.” Arquiteta de formação, Carolina herdou do pai a paixão pela charutaria. Hoje, eles são sócios e comandam a Bulldog Tabacaria, em Curitiba, no Paraná.

“O que mais me atrai no charuto? É um produto milenar, totalmente artesanal e que envolve centenas de pessoas para a sua produção. A riqueza de sabores, de aromas, a história envolvida, o ritual… Tudo é muito interessante”, define.

Historicamente, o consumo de charuto teve seu significado atribuído a muitas coisas. Poder, ostentação, virilidade, imponência e prazer são algumas delas. Os apreciadores que o veem como um hobby – ou mesmo um artigo de luxo – o entendem como um artifício meditativo, uma maneira de relaxar ou mesmo criar comunidade e jogar conversa fora com amigos ao longo da apreciação.

Há oito, a também cigar sommèliere Aline Silvestre conheceu este universo, que lhe foi apresentado por um amigo, dono do Club D’Orsay Premium Cigar Club, na capital paulista. “Na época, eu trabalhava com o mercado imobiliário, e gostava de acender um charuto para comemorar uma venda”, conta.

Se encantou tanto que largou o mercado imobiliário e, há cinco anos, é sócia do Club D’Orsay. Lá, ela guia os visitantes a uma degustação de charutos com bebidas – alcoólicas ou não –, uma vertente que avalia não ser tão explorada em outros espaços. Essa especialização, atrelada ao carinho com o qual a desempenha, tornou-se um diferencial.

“Vejo o charuto como o selar de um momento, em que gosto de relaxar e descontrair. Fui feliz no mercado imobiliário, mas hoje trabalho com muito mais prazer, alegria, felicidade e gratidão por poder proporcionar uma experiência para os mais variados tipos de pessoas – que estão celebrando desde casamentos e nascimentos de filhos ou querem descansar depois de um dia de trabalho”, diz, encantada.

De fato, as personalidades históricas mais ligadas ao consumo de charuto e à imagem que ele representa são homens. Winston Churchill, Fidel Castro, Michael Jordan e Vito Corleone, personagem de Marlon Brando e Robert De Niro em O Poderoso Chefão, são alguns dos exemplos mais lembrados.

Indícios históricos apontam que o charuto surgiu no século 10, provavelmente confeccionado pelos maias residentes em Yucatán, no México. O propósito original estava mais ligado à espiritualidade: era usado em rituais de cura para canalização de energia – propósito que compartilha até hoje em ritos indígenas e de algumas religiões, sobretudo as de matriz africana, como candomblé e umbanda.

O significado começou a mudar ao passo em que o charuto passou a adentrar territórios europeus. Por lá, se popularizou por volta do século 16. A responsável por isso foi uma mulher: a rainha francesa Catarina de Médici, que usava tabaco em pó para curar fortes enxaquecas.

Depois, a rainha passou a fumar charutos, o que intrigou a alta classe social da época. Daí vem a transformação do significado para artigo de luxo e socialização – visto que ela os fumava durante encontros da alta corte francesa da época.

Também se atribui a Médici a criação da anilha, aquela cinta fina de papel geralmente enrolada na cabeça do charuto. “Os dedos dela ficavam amarelados, então ela pediu para que enrolassem uma fitinha vermelha”, conta Aline. “Isso é só um exemplo de como as mulheres também são protagonistas na história do charuto”, acrescenta Carolina.

Aline diz ainda que, por ser uma atividade que requer habilidade, paciência e delicadeza, por anos a confecção de charutos foi um trabalho feito por uma mão de obra formada, em sua maioria, por mulheres. Por outro lado, no entanto, registros históricos apontam que a relação também está no custo mais barato de produção: essas eram mulheres em situação vulnerável, pobres e mais facilmente exploradas no contexto fabril.

“Vemos muitos homens apreciando o charuto e, claro, são a grande maioria. Mas as mulheres são muito importantes dentro da fábrica e ao longo da história”, diz. Portanto, desde sua origem até os dias atuais, não há indícios de que essa tenha sido uma atividade e um objeto criado apenas para homens – apesar de parecer assim.

Por mais que a presença dos homens seja maior, Aline diz ter dificuldade de se lembrar de um momento em que tenha sido menosprezada por ser uma mulher no ramo. “É claro que existem histórias, mas tive sorte. Acredito que, por executar meu trabalho com excelência, as pessoas ficam impactadas positivamente”, diz.

Carolina, no entanto, não pode dizer o mesmo. “Já escutei perguntas do tipo ‘Você degusta mesmo? Como uma menina sabe tanto de charutos?’ Mas, ao passo que fui ficando mais conhecida, consigo contar nos dedos esses episódios.”

Ao seu ver, isso acontece devido ao interesse maior que as mulheres têm demonstrado nessa atividade – e na abertura de portas para elas. Carolina percebe que isso acompanha o fato de mulheres estarem ocupando mais espaços de poder que, antes, eram tidos como exclusivamente masculinos.

De pouco em pouco, a imagética que liga o charuto apenas aos homens vai mudando. Hoje, é possível ver mulheres em destaque posando com um deles entre os dedos, ou mesmo degustadoras perspicazes. Entre elas estão Demi Moore, Rihanna, Beyoncé, Madonna e Jennifer Lopez, para citar algumas.

A publicitária Jéssica Marcelino, 30 anos, se interessou por eles há sete anos, quando já frequentava eventos do universo de vinhos e foi convidada para degustar charutos com bebidas destiladas. O que a cativou foi justamente o fato de ser mais desconhecido entre mulheres – o que ela percebe que tem mudado.

Atualmente, Jéssica é membro da Confraria Salto, Taça e Fumaça, formada só por mulheres. A confraria promove ao menos um encontro presencial por mês e tem um grupo de WhatsApp que conta com mais de 200 mulheres, que participam ativamente. “Vejo a Confraria como uma rede de apoio. Não é só sair para fumar charutos, a gente se encontra entre amigas, se une. A amizade se torna protagonista na experiência”, define.

Por mais que não exista uma investigação profunda e com dados desse aumento, essa mudança de ares é mais perceptível para quem está inserido nesta comunidade.

Aline, por exemplo, conta que no Club D’Orsay, 30% do público é mulher, e pensa que as mulheres são mais interessadas em se aprofundar no universo da degustação: “Elas fumam com mais conhecimento, cortam e acendem corretamente, querem entender cada etapa da escolha do charuto para apreciar da maneira correta e tirar o melhor proveito.”

“O charuto é um elemento de poder entre os homens, e também estamos adentrando neste espaço. As mulheres também querem viver essas experiências, se divertir com as harmonizações e relaxar na companhia de amigas com um bom charuto”, diz Carolina.

Estamos ocupando espaços e ganhando destaque em áreas até então ditas exclusivas para os homens. Obviamente um ou outro pode não gostar, mas vão ter que se acostumar.
— Carolina Macedo

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