Aos 5 anos, Yasmin Brito já carregava o sonho de ser modelo, mas sentia que alguns fatores a limitavam. Primeiro, o fato de morar em uma cidade muito pequena (ela nasceu em Montes Claros, norte de Minas Gerais), o que, de acordo com ela, a afastava da realidade do mundo da moda. Depois, a alopecia.
“Conforme fui crescendo, não encontrava nenhuma referência que fosse igual a mim nesse universo, nem na moda e nem na beleza. Naquela época, em 2005, não era comum ver pessoas não-padrão. Nos comerciais, só me deparava com meninas muito branquinhas, loiras, de olhos azuis. E como eu não me enxergava em nada, ficava difícil acreditar que eu conseguiria trabalhar nesse ramo. Ainda acho que o preconceito é muito presente”, diz.
Yasmin possui um caso raro de alopecia areata congênita: ela já nasceu com a doença e nunca teve cabelo ou pêlos no corpo. “Costumo brincar com as pessoas que sou uma peça rara. Nunca tive a experiência de ter cabelo. Na infância, fiz diversos tratamentos e cheguei a ir ao Rio de Janeiro entender mais o meu caso. Nessa fase, a alopecia não era muito falada. Não posso dizer para você que lidar com isso foi fácil, mas não passei pelo trauma de perder o meu cabelo, de ver ele caindo sem saber o que fazer.”
No caso da jovem, o implante nunca foi uma opção. Em uma das consultas, os médicos acreditavam que Yasmin tinha problemas com a tireóide ou que precisava realizar reposição hormonal. “A medicina não tinha muita informação sobre alopecia areata, e a minha família não tinha condições. Eu também era só uma criança, e não era garantido que meu cabelo cresceria. Por isso, minha mãe optou por não continuar o tratamento. Ela sabia que precisava ser forte a partir daquele momento, e ela foi.”
A mãe de Yasmin se tornou a sua maior fonte de inspiração e força. “Ela me ensinou, desde cedo, a me aceitar. Dizia sempre o quanto eu era linda, comentava que eu parecia uma boneca. Posso dizer que ela me empoderava. Minha mãe costumava falar que, se eu nasci assim no meio de três irmãos, era porque eu tinha um propósito na vida. Inclusive, ela nunca me apoiou a usar peruca e me esconder”, fala. Mesmo assim, ela não ficou imune do preconceito durante a infância e adolescência.
“Comecei a usar peruca até dentro de casa”
“A adolescência foi, sem dúvidas, a pior parte da minha vida. Queria ser igual a todo mundo, ter o cabelo grande igual ao das minhas amigas. Por não ter cabelo, eu sofria muito bullying, chegando ao ponto de que eu não queria ir à escola de jeito nenhum, e pedia para a minha mãe. Era muito complicado. As outras crianças zombavam, faziam piadas, apontavam o dedo”, relembra.
Aos 12 anos, Yasmin ganhou uma peruca de um jeito inesperado. “Uma mulher me viu na rua e chegou até nós questionando se eu tinha câncer, e eu disse que não, que tinha alopecia. Ela então revelou que era dona de uma loja de perucas e pediu que eu passasse lá para que ela me desse uma de presente. Então fomos, e prometi para a minha mãe que eu só usaria a peruca quando eu quisesse, que não me sentiria pressionada.”
“Só que não foi bem assim que aconteceu”. Yasmin conta que passou a usar a peruca todos os dias, praticamente durante 24h. “Comecei a usar a peruca até dentro de casa, ou para ver os meus amigos de infância, que já me conheciam careca e sabiam que não tinha como o meu cabelo crescer. Foi uma fase complexa, porque, em certo momento, eu não me olhava mais no espelho sem peruca. Para mim, aquele cabelo era meu.”
O bullying acabou tornando ainda mais longo o processo de auto aceitação de Yasmin. A percepção da jovem começou a mudar apenas aos 16 anos, quando ela fez os primeiros trabalhos como modelo. “Na minha cidade, um estilista estava fazendo um desfile e procurando uma modelo careca. De início, não queria ir. Imagina ter que tirar a peruca? Mas depois de um tempo, aceitei e fui. Fiz as fotos, desfilei, e recebi diversos elogios. Em seguida, fiz um trabalho para o shopping da minha cidade, também sem peruca.”
Yasmin entendeu, a partir desse ponto, que tinha dois caminhos para trilhar: “Ou eu entendia que o meu cabelo não me define, que não é algo primordial na minha vida, ou eu sofreria para sempre por esse motivo (…). Mas tudo ganhou uma nova forma quando comecei um curso de produção de moda, e as minhas amigas sempre falavam: ‘Você é tão linda sem peruca. Por que você usa?’.”
A peruca, inclusive, causava alguns desconfortos. “Na época do calor, a minha cabeça acabava coçando muito, o que era bem chato. A peruca ajudou apenas na questão do sol. Como o meu couro cabeludo é bem sensível, muito mais do que o normal, ela evitava que a minha cabeça ficasse em contato direto, mas hoje passo bastante protetor solar, o que ajuda bastante.”
Em 2019, Yasmin mudou para uma cidade maior. Desde então, nunca mais colocou a peruca. “Eu deixei de usar, definitivamente. Entendi que me sinto bonita dessa forma e as pessoas precisam me aceitar. É chato ver que alguns ainda apontam ou olham com receio, mas isso não me afeta. Sou constantemente questionada se estou em tratamento contra algum tipo de câncer. É impressionante como as pessoas acham que uma mulher careca está doente, como se algumas pessoas não raspassem o cabelo por puro estilo. Sou muito saudável, bem mais do que muita gente por aí. A alopecia é a ausência de cabelo, mas por dentro a minha saúde não é afetada.”
“Nunca pensei que seria representatividade”
Na nova cidade, Yasmin foi até uma agência de modelos, mas acabou caindo em um golpe. Em seguida, ela resolveu correr atrás dos seus próprios trabalhos, e a internet virou uma grande aliada. Em 2020, durante a pandemia, ela entrou no TikTok, e foi aí que os seus vídeos viralizaram. “Sendo sincera, eu achava o TikTok uma palhaçada, nunca pensei que fosse entrar na plataforma, mas eu amava dançar e os vídeos eram sobre isso, só que não demorou muito para as pessoas questionarem sobre o que eu tinha.”
O crescimento foi muito rápido. Em um dia, Yasmin era assistida por mil pessoas. No outro, por 200 mil. A ideia de falar sobre alopecia surgiu da vontade que ela tinha de passar informação e lutar contra o preconceito. “Entendi que eu queria falar sobre o assunto e acredito que meu propósito era esse. Comecei a responder as pessoas, tirar dúvidas e falar sobre moda e beleza, provando que não precisamos do cabelo para sermos bonitas. Parece difícil encontrar alguém com alopecia. Nós existimos, mas por vergonha e medo do preconceito, alguns se escondem.”
Os vídeos de Yasmin frequentemente chegam a mais de 1 milhão de pessoas. Neles, ela fala sobre beleza e desmistifica a alopecia. Além disso, se tornou representatividade para diversas pessoas também com a doença.
“É uma responsabilidade muito grande. Às vezes, fico sem acreditar. Recebo perguntas e mensagens não só de pessoas com alopecia, mas de mães também. O que eu desejo é incentivar cada vez mais as pessoas, fazer com que a alopecia seja mais conhecida porque o preconceito ainda existe, e nem sempre as pessoas conseguem passar por ele, é muito duro. Por isso que, duas vezes na semana, me dedico a falar sobre alopecia.”
O que Yasmin espera, nos próximos anos, é mais reconhecimento. “Falo de moda e beleza, tenho mais de 500 mil seguidores, mas sinto que as marcas nem sempre olham para uma pessoa não-padrão. Já me questionei várias vezes se estava no caminho certo, se estava fazendo tudo direito, mas sei o quanto o meu conteúdo ajuda as pessoas. O meu sonho, no futuro, é ter uma marca de protetor solar que pense mais em quem tem alopecia. Nossa pele é muito sensível, precisa de um grande fator de proteção e muita resistência.”
Questionada sobre o que é beleza, Yasmin finaliza, respondendo: “A beleza está no amor próprio. Descobri que eu faço a beleza, eu sou a beleza, não preciso ter cabelo grande e nem ser padrão para me considerar bela. A beleza é o que a sociedade considera.”
O que dizem os médicos
De acordo com a Dra Lilian Brasilieiro, dermatologista e membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia, “a alopecia areata é uma doença autoimune, ou seja: não é infecciosa, nem bacteriana, é uma doença que, por algum motivo que ainda não está muito bem esclarecido, o corpo resolve atacar o folículo do cabelo. Então, ele considera o folículo um corpo estranho e se inicia um ataque imunológico, que resulta na interrupção do crescimento.”
Lilian explica que a alopecia areata acontece apenas em quem tem um fator genético positivo. “Mas existem gatilhos, como alterações hormonais: se a pessoa que tem psoríase, tireoidite de Hashimoto, vitiligo, lúpus, diabetes tipo 1, que é autoimune também, têm mais tendência a ter alopecia areata; alguns distúrbios hormonais também induzem a isso.”
Os sintomas mais comuns são, justamente, a perda de cabelo. “O mais comum é que a pessoa perca o cabelo em áreas específicas e, em casos mais graves, pode ser total. É o que chamamos de alopécia universal, quando acontece a queda de todos os pelos do corpo, incluindo sobrancelhas, pêlos pubianos, axilares. E a alopecia pode acontecer só no couro cabeludo ou isoladamente, como na sobrancelha ou na barba.”
Segundo a dermatologista Dra Ana Maria Pellegrini, “a alopecia areata geralmente não é considerada grave, mas casos mais extensos podem ser desafiadores”. Lilian complementa: “A alopecia areata generalizada, que nós chamamos de alopecia universal, são as mais difíceis de tratar. Agora existe uma modalidade de um novo tratamento que promete uma melhora em apenas 54% dos pacientes e é uma melhora que chega até 60%, no máximo, de repilação, ou seja, de retorno dos pelos.”
“O diagnóstico envolve avaliação clínica e, às vezes, biópsia. Tratamentos incluem corticosteroides tópicos, injeções locais, terapias imunossupressoras, e em alguns casos, laser”, explica Pellegrini.
A alopecia areata não é a única que existe. O dermatologista e tricologista Dr Danilo S Talarico detalha: “As alopecias são divididas em dois grandes grupos: as alopecias cicatriciais e as alopecias não cicatriciais. Tanto a alopecia areata como a alopecia androgenética, se encontram no mesmo grupo das alopecias não cicatriciais. O que isso quer dizer? Quando eu falo de uma alopecia cicatricial é o processo que vai acontecer no folículo causando uma substituição daquele tecido produtor de cabelo por um tecido fibrótico, que não vai ter nenhuma funcionalidade a não ser de preenchimento do local”.
A diferença entre a areata e a androgenética, por mais que pertençam ao mesmo grupo, são muitas: “A causa é diferente, o tratamento é diferente, a apresentação clínica é diferente. A alopecia androgenética é a famosa calvície. Então, a calvície, no homem e na mulher, se dá pela presença de um receptor, um hormônio masculino, que é o DHT, no folículo do cabelo. Assim, o cabelo vai afinando de um modo geral, e morre. Esse folículo é sepultado e não nasce mais cabelo. Na alopecia areata, não. Quando a gente consegue estabilizar o ataque imunológico do organismo, o folículo tende a voltar a nascer. Então, não é uma alopecia que mata definitivamente. No entanto, é uma doença difícil de tratar. O organismo dá conta, mas quando se cronifica, é complicado. Além disso, ela tem um caráter bem recidivante: então melhora e, de repente, piora”, fala Lilian.
A incidência em homens e mulheres é a mesma, e Lilian Brasilieiro comenta que o suporte a uma mulher que está passando pelo processo de perder o cabelo precisa ser acolhedor. “Essa paciente precisa de todo apoio e de todo acolhimento do dermatologista que cuida dela. E também precisa de acompanhamento psicológico. Se ela tiver muita dificuldade em aceitar a sua condição, que pode ser provisória, mas também pode ser permanente, existe o uso de próteses. Essas próteses vão bem para quem perdeu o cabelo, porque quando a gente tem uma perda parcial é mais difícil de usar. Mas, sempre lembrando: nada substitui um bom trabalho e um bom acolhimento profissional que trabalhe a autoestima e que a faça entender que ela é muito mais que um cabelo.”