Beleza

Modelo que fez 30 cirurgias plásticas fala sobre luta para tirar PMMA e diagnóstico de dismorfia corporal

A paulistana Jennifer Pamplona fez sua primeira cirurgia plástica aos 17 anos e, desde então, passou a usar os procedimentos como uma válvula de escape. Foi somente após 30 procedimentos - e um diagnóstico de dismorfia corporal - que a modelo pensou em parar. “Tive uma infecção muito severa. Sofri com dor, era algo dilacerante. Teve um momento que senti uma paz muito grande (...). Ali, tive a certeza que estava muito perto de morrer. Falei com Deus: ‘Se eu acordar amanhã, nunca mais faço uma cirurgia na vida, e vou me cuidar’. E eu acordei”. Em conversa com Marie Claire, Jennifer, que também viveu o luto pelo namorado Celso Santebanes, conhecido como Ken Humano, conta a sua história e relação com a beleza

Desde os 5 anos, Jennifer Pamplona lembra de ser uma mulher vaidosa. Quando criança, uma das brincadeiras que mais gostava era mexer na gaveta de maquiagens da mãe. “Lembro também de desfilar com o salto alto dela, eu amava. Na adolescência, me inspirei bastante na Kelly Key e nas maquiagens da novela ‘O Clone’, mas foi nessa mesma fase que o bullying começou. Eu era muito magra, não tinha seios grandes e achava que estava fora do padrão.”

Aos 13 anos, Jennifer já sabia que gostaria de trabalhar com arte e, mais do que isso, carregava o sonho de ser famosa. “Nessa idade, eu era apaixonada por desenho e até fiz roupas para o meu grupo de dança. E eu já comentava para a minha família que seria famosa. Então, inspirada pelas modelos da Victoria ‘s Secrets, descobri que queria seguir esse caminho. Com 15 anos, cheguei a ir em uma agência de modelos sozinha, com o dinheiro que guardei da pensão que meu pai me dava. Levei muitos ‘não’ nesse caminho, mas, no fim, deu certo. Era o meu sonho e sou determinada.”

‘Fiquei quatro meses entre a vida e a morte após erro em cirurgia plástica’
A vida da jovem mudou quando ela desfilou em uma parceria da C&A com a Donatella Versace, no ano de 2014. Mas, com isso, novas pressões começaram a surgir. “No mundo da moda, todas eram altas e magras como eu, mas eu ainda me incomodava com os meus seios muito pequenos. A primeira cirurgia aconteceu aos 17 anos. Um agente meu, no Brasil, disse que eu precisava de um silicone pequeno, e o cirurgião plástico instruiu que eu colocasse 350ml. O problema é que ficou muito grande e, por isso, passei a perder inúmeros trabalhos. No mundo da moda, há 12 anos, todas eram altas e magras. Hoje, temos modelos de vários biotipos, e isso me alegra.”

Tudo piorou quando Jennifer, que namorava Celso Santebanes, o Ken Humano, precisou lidar com a morte do amado. “Conheci o Celso na televisão e trabalhamos juntos. Então, fui mais para esse lado dos TV Shows. Ele era uma pessoa cheia de sonhos e estávamos sempre na mídia. Quando ele se foi, fiquei perdida, sem saber o que fazer. Foi quando um programa de TV me convidou para fazer oito cirurgias plásticas em 24h, e aceitei.”

“Não sei explicar o motivo que me fez tomar essa decisão, estava anestesiada. As cirurgias plásticas então viraram a minha válvula de escape. Fazia sempre que me sentia triste ou mal. De início, partiu sim de uma insegurança minha, mas depois ficou descontrolado. Costumo dizer que a dor que eu sentia nas plásticas, era para curar algo emocional”, continuou.

Ao todo, Jennifer fez 30 plásticas, incluindo corpo e rosto. Esse número foi aumentando conforme ela se tornava ainda mais conhecida pela mídia. Nos Estados Unidos, ganhou o apelido de ‘Kim Kardashian brasileira’.

“Por também ser atriz, criei uma Jennifer Pamplona que era, praticamente, uma personagem. Aceitei ser a Kim Kardashian brasileira, mesmo nunca querendo me parecer com ela. Criamos esse personagem para atrair os holofotes. E conseguimos! Vale lembrar que, com o conhecimento que tenho hoje, não recomendo o excesso de Cirurgia Plástica. Nessa fase, eu morava em Hollywood, e estava disposta a conseguir um espaço, já que sou graduada em cinema, faria o que fosse possível. Nem a minha agente conseguiu me tirar dessa personagem que criei, foi muito difícil. Como eu fiz tantas cirurgias? Até que algo de fato grave aconteceu pela primeira vez”, fala.

“Eu estava quase morrendo e prometi que não faria mais cirurgias”
No começo de 2022, Jennifer Pamplona decidiu ir a uma psicóloga. Lá, foi diagnosticada com dismorfia corporal. De acordo com ela, o diagnóstico foi libertador, mas difícil de encarar. A última cirurgia invasiva feita por ela, porém, aconteceu depois disso tudo. “Sabia que tinha um problema, mas ainda não estava cuidando, então fui para a Turquia fazer um procedimento no rosto, e alí o meu pesadelo começou.”

A modelo, que já investiu mais de 3 milhões em cirurgias plásticas, passou por uma recuperação complicada. Nas redes, ela chegou a mostrar o rosto inflamado e revelou que foi maltratada pelo médico. “Tive uma infecção muito severa. Sofri com dor, era algo dilacerante. Teve um momento que senti uma paz muito grande. Foi estranho, de um jeito que nunca senti antes. Ali, tive a certeza que estava muito perto de morrer. Falei com Deus: ‘Se eu acordar amanhã, nunca mais faço uma cirurgia na vida, e vou me cuidar’. E eu acordei.”

A recuperação, ainda assim, foi um processo difícil. Jennifer, que havia se mudado para Dubai e se casado, viu o relacionamento terminar. “Precisei me dedicar imensamente à minha saúde mental. Gosto de dizer que, se todos prestassem atenção no emocional, os procedimentos seriam menos recorrentes. Mas é importante comentar que não sou contra cirurgias plásticas, desde que você faça com consciência. Ainda faço poucos procedimentos, como baby laser, mas nada invasivo.”

Atualmente, Jennifer está passando pelo processo de retirar parte dos procedimentos estéticos que já fez. Sua luta atual é contra os efeitos posteriores do PMMA. A modelo e influenciadora aplicou a substância nos glúteos – ela já mexeu cerca de oito vezes na região, antes de 2022 – e agora enfrenta complicações.

“Apliquei há 10 anos e agora estou com sérios problemas. Começou com alguns sintomas, mas percebi que não melhorava. Fui atrás dos melhores médicos, e não adiantava, até que conheci o Dr Carlos Alberto Rios, cirurgião plástico que me ajudou a entender o problema. Estou me preparando psicologicamente para entrar na cirurgia, porque estou muito traumatizada. A minha qualidade de vida está péssima, além da dor absurda, eu ando mancando. Às vezes, mal consigo me mexer. Ao que tudo indica, vou tentar retirar a maior parte da substância daqui três meses, mas já sei que não vai sair tudo”, revela.

“Só caí em mim quando entendi o que era pressão estética”
Hoje com 31 anos, Jennifer comenta que o medo de envelhecer sempre foi uma questão latente em sua vida. “Faço muitos castings e, nos últimos anos, ouvi muito que, para aquela personagem, precisam de uma mulher mais nova. Parece que mulher tem prazo de validade e constantemente reflito sobre o assunto.”

“Hoje, entendo que perfeição não existe, mas só caí em mim quando entendi o que era pressão estética, algo que aflige todas as mulheres”, comenta Jennifer, que transformou a sua experiência em algo maior. Hoje, ela tem uma ONG, a JP Mental Health Foundation, que ajuda outras pessoas diagnosticadas com dismorfia. O local fornece apoio, orientação e recursos para aqueles que enfrentam desafios de saúde mental.

“Entendi que esse é meu propósito. De forma alguma quero que outras pessoas, inclusive os mais jovens, passem por tudo o que passei, é muito cruel”. Além da ONG, Jennifer lançará o documentário ‘Vício’, que fala sobre a sua jornada com as cirurgias plásticas.

Agora, Jennifer comenta sobre o seu novo ‘eu’. “Sempre fui uma mulher muito sincera, e quero ser cada vez mais dessa forma. Verdadeira, orgânica. Ainda tenho muito o que melhorar. Mesmo já bem melhor das cirurgias plásticas, ainda sou dependente de filtros e do FaceApp (editor de fotos). Não nego que uso e quero me livrar disso o quanto antes.”

O que é dismorfia corporal?
De acordo com a psicóloga Dra. Sirlene Ferreira, a dismorfia corporal “é um transtorno mental no qual o indivíduo desenvolve uma obsessão por defeitos imaginários em seu corpo. Esse transtorno tem como principal foco a aparência física, e o indivíduo busca obsessivamente maneiras de eliminar esses defeitos que, muitas vezes, são imaginários.”

O transtorno é mais comum durante a adolescência, mas vem se tornando cada vez mais complexo devido ao advento das redes sociais, com cobranças cada vez mais rigorosas sobre padrão de beleza.

Os primeiros sinais de que algo está errado são: “o indivíduo passa a fazer comparações constantes com outros corpos, imaginando que estes representam um padrão ideal. Apresenta medo de usar roupas que evidenciem seu corpo, evitando praias e lugares onde o corpo possa ser exposto. As pessoas com dismorfia corporal também têm obsessão em se olhar muito no espelho e constantemente externalizam suas insatisfações, perdendo muito tempo se preocupando com a aparência”, explica a profissional.

A dismorfia traz diversas consequências, podendo afetar até mesmo a socialização. “Isso impede que a pessoa leve uma vida tranquila, porque ela constantemente sente a necessidade de melhorar a própria aparência (…). Para que o paciente melhore, o médico psiquiatra pode decidir por medicar, mas a psicoterapia é fundamental.”

O cirurgião plástico pode recomendar um psicólogo ao invés de um procedimento?
De acordo com o cirurgião plástico Josué Montedonio, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, quando o profissional percebe que o risco da cirurgia é maior que o benefício, é a hora ideal para alertar o paciente da melhor maneira possível.

“O cirurgião plástico tem a obrigação e dever de acabar com a banalização imposta tanto pela mídia quanto pelas redes sociais. Ele acaba sendo o profissional mais adequado para explicar e procurar fazer a paciente entender que o que ela busca vai trazer mais malefício do que benefício no curto ou longo prazo. Nos deparamos com pacientes em busca de uma fórmula mágica e definitiva para acabar com todas as angústias, quando, na realidade, a cirurgia é uma solução para um ou outro problema, e a maior parte das pessoas não têm problema: elas têm uma dificuldade de biotipo, de emagrecer, de engordar, de se tratar”, começa ele.

“Existe uma banalização que deve ser corrigida. Uma cirurgia requer toda uma indicação correta e é algo complexo que tem seus riscos. Muitas‎ vezes,‎ o‎ que‎ o‎ paciente‎ necessita‎ é‎ de‎ uma‎ boa‎ orientação‎ ou‎ até‎ de‎ suporte‎ psicológico (…). O limite é quando olhamos no espelho e não nos reconhecemos mais”, continua.

Assim como a psicóloga Sirlene Ferreira, Montedonio reforça a influência das redes sociais quando o assunto é procedimentos estéticos. “O grande perigo é quando começamos a nos comparar com pessoas que tem hábito de vida diferente dos nosssos, genética diferente, rotina de cuidados diferentes e, pior, quando vivem da imagem! Não vejo como errado usar essas pessoas como inspiração para melhorar algo que incomoda, mas muitas vezes nos deparamos com pacientes que se perderam no número de procedimentos buscando um ideal de beleza inatingível.”

Antes de realizar um procedimento, o cirurgião indica que o paciente avalie todas as consequências. “Sabemos que se aceitar não é se conformar. Se decidir por qualquer procedimento, pense em na sua escolha. Temos que ter muito cuidado para saber discernir e entender que a cirurgia plástica está aí para nos ajudar a encontrar nossa melhor versão e não nos transformar em outra pessoa.”

Por fim, Josué Montedonio fala sobre a dificuldade de lidar com pacientes “adictos por cirurgias plásticas”. “É uma linha muito tênue. Caso o paciente não conquiste o objetivo esperado, ele vai procurar alguém que resolva aquela demanda, que muitas vezes, só existe na cabeça dele. Então, expor os limites e perigos é crucial para uma tomada de decisão racional (…). Lembrando que o excesso de cirurgias e procedimentos acaba alterando a anatomia, causa fibroses (tecido de cicatrização), deixa a pele mais sensível, pode comprometer a vascularização e levar a sequelas cirurgicas futuras irreparáveis! Risco de necrose tecidual, alteração na sensibilidade, coloração”, finaliza.

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