Gastronomia

Como Pía León conquistou a gastronomia internacional

Conheça a chef de 35 anos que mantém uma profunda pesquisa de ingredientes e técnicas de diferentes altitudes e ecossistemas do Peru

São mais de 4.000 tipos de batata; 230 de milho e 3.000 de quinoa. Dos Andes à Amazônia, o território que conhecemos hoje como Peru ganhou fama entre foodies por sua rica e colorida diversidade gastronômica. E também por ser o berço do atual melhor restaurante do mundo: o Central, em Lima, comandado pelo chef Virgilio Martínez. Mas um restaurante não ganha o posto de número 1 do nada e muito menos por causa de um único homem. Pía León tinha só 21 anos quando começou a trabalhar no Central. Era a única mulher na equipe e, ao longo de anos, passou por várias funções até comandar a cozinha. Foram seis anos liderando a equipe que transformou em realidade sensorial a ideia de ouro de Virgilio: um menu que evolui de acordo com as diferentes altitudes e ecossistemas do Peru. A experiência é resultado de muita pesquisa feita por meio do Mater, instituto idealizado por Pía, Virgilio e Malena Martínez para estudar alimentos e processos ancestrais reunindo geógrafos, biólogos, antropólogos e chefs, além de descendentes dos povos pré-hispânicos que vivem em comunidades tradicionais em regiões remotas do Peru e transmitem toda a sua sabedoria de forma oral.

Hoje, aos 35 anos, Pía é uma das principais estrelas femininas da gastronomia latino-americana: conquistou, em 2021, o posto de melhor chef do mundo pelo seu restaurante Kjolle e, no ano passado, abriu o Mauka – restaurante dentro do Palacio Nazarenas, hotel da rede Belmond, em Cusco, que também busca colocar os produtos da região como protagonistas.

Entre viagens e experimentos, Pía e Virgilio namoraram e se casaram. Juntos, eles criam o filho Cristobal, de 8 anos, e comandam mais dois negócios: o Bar Mayo, em Lima, e o restaurante MAZ , em Tóquio, no Japão. Ao lado da cunhada, Malena, Pía acaba de lançar Festín, o primeiro livro infantil de receitas e superalimentos peruanos. Ela conta que os doces feitos por sua mãe – pudim de arroz, bolo ou sorvete de limão – marcaram sua memória, mas que Cristobal provavelmente ligará os pais aos sabores tradicionais, caso dos ensopados e do locro com queijo.

Foi durante suas expedições, inclusive, que ela desenvolveu os conceitos do Kjolle. O nome nasceu quando Pía se deparou com o Qolle (Buddleja coriacea), um arbusto resistente à altitude e ao frio cujas flores amarelo-alaranjadas sempre foram utilizadas pelos andinos para colorir lã e fibras vegetais. Símbolo do seu projeto solo, a flor também era usada como bloqueador solar e dilatador durante os partos.

Os povos andinos precisaram elaborar técnicas para sobreviver ao inverno na altitude, que garantiram à gastronomia peruana sabores complexos e bastante especiais”
— Pía León

É interessante notar como o Kjolle e o Central partem da mesma intenção, mas os resultados são únicos. No primeiro, os pratos de Pía parecem mais coloridos, com outras texturas e sensações. Apesar de educativa, a experiência é menos roteirizada que no segundo e mais sobre “comer rico”, como dizem os peruanos. Um dos destaques é a “mashua negra”, uma raiz andina carregada de corantes naturais roxos, com teor de amido e mais água que a batata, e também mais doce por ficar exposta ao sol após a colheita. “Adoro esta versatilidade, de ter sabor doce, salgado, azedo”, pontua a chef. Pía se diz apaixonada pelas cores botânicas. Não parece à toa, portanto, que um de seus hits seja a colorida torta de tubérculos.

Assim como os nórdicos, que desenvolveram processos de fermentação para conservar os alimentos, “os povos andinos também precisaram, ao longo de sua história, elaborar técnicas para sobreviver ao inverno na altitude, que garantiram à gastronomia a peruana sabores complexos e bastante especiais”, explica.

Entre os preferidos de Pía está o “cajá”, um tubérculo liofilizado por imersão em água gelada e exposição ao sol. “Esse procedimento permite o consumo ao longo dos anos seguintes. É uma das estratégias dos povos incas que garantem a alimentação de todo um povoado”, explica a chef. Entre os produtos locais que mais lhe inspiram, conta, estão as folhas de “chillka” (uma variação da lentilha) e as sementes de “ayrampo”, espécie de cacto do qual é possível fazer até sorvete. Da Amazônia, Pía usa o macambo e o cupuaçu para acompanhar o cacau da sobremesa. Mas ela não esquece que Lima é banhada por um dos mares mais ricos do planeta e, por isso, moluscos, lula e camarão também marcam presença no menu. E, para além de Lima, o casal ainda comanda o Mil Lab, no Vale Sagrado, onde os incas faziam suas pesquisas agrícolas – mais que um restaurante, há um percurso em que o visitante faz uma experiência completa conhecendo as plantações para compreender melhor a biodiversidade e a cultura andinas.

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