Apesar de tão íntima, a lingerie sempre esteve ligada ao olhar do outro ao longo da história. São inúmeras as imagens em que uma pessoa vestindo roupas de baixo aparece para conquistar um parceiro ou parceira na cama ou fora dela. A coisa vem por anos: no século 19, por exemplo, eram espartilhos e anquinhas que moldaram os corpos de maneira reconhecida como atraente (apesar de, naquele período, a pele à mostra ser um tabu na maioria das sociedades) .
Usados por mulheres, esses elementos do vestuário, como sempre, deixavam o corpo feminino sob o julgamento alheio. As peças apareciam pouco, mas representavam muito na área da sensualidade. Foi no século 20, no entanto, que com a mudança da posição feminina em nossa sociedade ocidental, que as lingeries foram adotadas como peças capazes de nos fazerem sentir melhor com nós mesmas. E, nos últimos anos, esse movimento se acentuou e a indústria da lingerie passou por uma verdadeira revolução.
A grande mudança
Quando pensamos em lingerie, logo vem à mente rendas mil, sutiãs de bojo, calcinhas transparentes, cinta-ligas etc, certo? Essa “lingerie clássica” e bem rococó talvez faça parte do seu guarda-roupa atual, mas a verdade é que ela revisita diferentes momentos da história da moda: criada na década de 1980, ela remonta o século 19, justamente quando as roupas íntimas no geral eram hiper românticas – e bem desconfortáveis, vide o espartilho.
Acontece que, como muitos setores do vestir, a lingerie foi mudando de posto e tem diferentes funções. Para algumas mulheres com seios maiores, por exemplo, sutiãs geram mais conforto e sustentação. E, de maneira geral, a calcinha (e a cueca) tem a função de auxiliar na manutenção da higiene – já que não trocamos constantemente as peças de roupa de baixo (como sutiãs, anáguas etc) , mas, diariamente, trocamos as peças íntimas.
Fato é que entre o público e o privado, a lingerie sempre esteve nesse campo duplo: ora como roupa ligada ao despir (e, por isso, à sensualidade), ora como uma forma de manter a região íntima protegida.
Mulheres vestindo o que quiser
Foi apenas nos últimos dez anos – – sim, pouquíssimo tempo – que a lingerie passou a ocupar um lugar de menos imposição na vida das mulheres. Parte do movimento de autoestima que se propagou na internet, falando abertamente de diferentes corpos e de como a moda pode servir para autoconfiança, também teve impacto na trajetória da lingerie. Para algumas mulheres, houve uma mudança radical no relacionamento com o que a lingerie representa.
Até mesmo o mercado da moda olhou para a peça de um jeito diferente. Um bom exemplo foi que os desfiles hiper famosos da Victoria Secrets, que acontecia anualmente com as supermodelos com os corpos mais padrões possíveis, deixaram de acontecer a partir de 2019, pois o evento não só não tinha mais audiência alguma, como recebia críticas furiosas do público. Paralelo a isso, marcas como a Fenty, de Rihanna, que abraça corpos distintos e modelos de lingerie mais adequados à mulher real, passaram a crescer nos últimos tempos.
“O mundo das lingeries sempre foi padrão, sem muita criatividade e inovação, talvez até meio chato. Ainda existe uma grande dificuldade em criar roupas íntimas bonitas e confortáveis nesse universo do underwear, mas a ‘roupa de baixo’, assim como a ‘roupa de cima”’ está aí para que a mulher possa ousar e expressar sua personalidade na hora de se vestir”, conta a proprietária de uma marca de lingeries “desconstruídas”, a Les Pucis, Giovanna Zocaratto.