Moda

Por que as roupas das mulheres não têm bolsos e o que há de sexismo nisso?

Às vésperas do Dia da Mulher, Marie Claire discute alguns aspectos da moda feminina que mostram que, na moda, nada é por acaso: cada peça carrega consigo histórias e significados que refletem a relação da mulher com a sociedade

Toda mulher já passou pela situação de vestir uma peça e perceber que os bolsos ou não existem ou são tão pequenos e apertados que mal cabem os dedos das mãos. E mesmo quando temos bolsos mais úteis, não se comparam, no tamanho e nos formatos, com os costurados nas roupas masculinas.

As calças destinadas a homens costumam ter bolsos onde são guardados dinheiro, documentos, chaves, celular… Enquanto, nós, mulheres, ficamos reféns de bolsas, já que até um celular um pouco maior ou uma carteira mais grossa não se encaixam nos bolsos, principalmente das calças jeans que vestimos.

Mas porque os bolsos femininos são tão limitados? A verdade é que há uma história bastante longa e complexa por trás desse acessório tão banal.

Séculos atrás
Até o século 17, na moda Ocidental, alguns homens até tinham bolsos em suas roupas. Para mulheres, a opção era uma só: carregar um saquinho com os pertences amarrados na cintura, por baixo das (muitas) camadas de saias. O que é de se imaginar que tinha zero praticidade.

A partir do século 19, os bolsos costurados diretamente na roupa dos homens tornaram-se mais comuns. Foi quando eles passaram a deixar seus documentos pessoais sempre à mão e carregá-los consigo.

Como a moda é reflexo das formas de se pensar de uma sociedade, as damas continuaram sem ter esse apoio nos vestuários. Tudo porque o que se imaginava, principalmente para as mulheres brancas ou de alta sociedade, é que não haveria motivos para elas saírem às ruas levando algo que não fosse, no máximo, uma sombrinha para se proteger do sol.

É fato: as que estavam restritas ao ambiente doméstico, quando deixavam o lar, costumavam sair acompanhadas por homens ou por alguém que pudesse carregar aquilo que elas precisavam.

Muda a roupa, mas o bolso, não
Ainda no século 19, os vestidos com muitas camadas e saias gigantescas e decoradas começaram a dar lugar para modelos mais justos e despojados, com inspiração neoclássica, que remetiam às deusas gregas.

Ainda assim, a história não favoreceu a vida das mulheres. Mesmo com a criação de bolsas mais parecidas com os que usamos atualmente, colocá-las como parte do guarda-roupa denotava aquilo que, naquele período, não era visto com bons olhos: o de que a pessoa que usasse bolsas grandes era da classe operária. Afinal, também era um elemento social que demonstrava “muita independência” de quem o usava. Homens usavam suas malas e maletas. Mulheres, não.

A pauta era tão presente no comportamento que, em 1899, o jornal “The New York Times” publicou uma piada sobre a desigualdade entre “quem usava bolsos e quem não usava”. A ideia era dizer que enquanto as mulheres não usassem bolsos, não seriam páreo para homens: “Ninguém que não usa bolsos se tornou importante depois que eles foram inventados”.

Quando ganhamos esse detalhe nas roupas?
A situação começou a mudar entre o final do século 19 e o começo do século 20, quando as mulheres começaram a exigir que bolsos fossem costurados nas saias, para garantir maior independência.

Em 1914, com a Primeira Guerra Mundial, enquanto os homens iam aos campos de batalha, as mulheres ocupavam os postos de trabalho das fábricas e escritórios. Com isso, os espartilhos tornaram-se totalmente inviáveis, e as calças e macacões entraram no guarda-roupa feminino.

Só assim a emancipação das mulheres a partir da construção de suas próprias carreiras e da conquista de seu próprio dinheiro ganhou força. Irem para as fábricas, portanto, estava diretamente relacionado à reivindicação por bolsos maiores e mais funcionais em suas calças e uniformes de trabalho.

Porém, como tudo na moda é cíclico, com o final da Segunda Guerra, em 1945, a moda entrou em crise, pois ninguém sabia o que fazer com o vestuário feminino. As calças deveriam continuar? De que forma?

Com isso, voltaram à tona as peças hiper femininas e nada práticas, que visavam “emagrecer” a silhueta e valorizar a beleza e as curvas do corpo, em detrimento do conforto e utilidade. Se você já reparou que as coisas ligadas aos direitos das mulheres e a autonomia feminina estão sempre instáveis, está certo. Até porque, em 1954, o estilista Christian Dior teria dito que “homens têm bolsos para guardar as coisas, as mulheres, para decoração”.

Revolução na moda, bolsas e calças justas

Corta para os anos 1970. Se a revolução comportamental ganhou novos ares, inclusive com o estilo “boyish”, composto por peças mais descoladas, largas e que remetem ao vestuário masculino, ganhando força, é de se imaginar que, finalmente, “a igualdade de bolsos” estivesse mais perto de ser alcançada. Será?

Apesar de ser um período com calças mais largas, peças mais confortáveis para todos os gêneros e, claro, bolsos,a ascensão das bolsas de luxo nos anos 90, os bolsos foram, mais uma vez, deixados de lado. Além disso, calças muito apertadas e de cintura super baixa não facilitavam a aplicação de bolsos, já que eles marcam e criam volume extra na silhueta.

Apesar de esse ser um tema muito comum à indústria da moda, a história de sexismo e de separação de roupas por gênero ainda segue sendo contada. Quer um exemplo? Segundo pesquisa do site The Pudding, editora digital que fornece dados para jornalistas, em 2018, o bolso de um jeans feminino é, em média, 46% mais raso que um bolso masculino, e apenas 40% das calças femininas têm espaço suficiente para guardar um smartphone.

A saga continua
Ou seja, depois de tanto tempo, a falta de bolsos ou o tamanho minúsculo deles nas peças femininas podem ser considerados resquícios do sexismo de séculos passados Mas o quadro está sendo revertido, aos poucos. Graças, principalmente, a estilistas mulheres, o cenário está ficando mais otimista. Um grande sucesso, inclusive, são os vestidos de festa com bolsos. A tendência é um sucesso até entre noivas, que garantem mais praticidade e conforto na hora da festa.

Afinal, se é necessário que a mulher tenha direitos equivalentes aos dos homens, as conquistas podem começar do mínimo – e estar bem equipada e confortável ao se mover pelo mundo pode ser um bom caminho.

  • Fonte da informação:
  • Leia na fonte original da informação
  • Artigos relacionados

    Botão Voltar ao topo