Há muitas coisas que o seu celular pode fazer por você hoje. Mas, em algum tempo, é possível que o aparelho até realize os seus exames médicos de rotina. Ao menos é para isso que a Apple, de olho no próspero setor da saúde, tem trabalhado. A empresa está desenvolvendo uma nova função para seu relógio digital, o Apple Watch.
A proposta é que, ao encostar o dedo na tela, o usuário seja submetido a um eletrocardiograma (ECG), exame que registra a atividade elétrica do coração. A multinacional também pretende que o pequeno aparelho detecte batimentos irregulares, transfira os dados para análise médica e envie uma notificação caso o dono do relógio necessite de assistência.
A nova ferramenta, em fase final de testes, está sendo desenvolvida em parceria com a Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, uma das melhores do mundo.
A poderosa do Vale do Silício não é a única que tem investido tempo e muito dinheiro para explorar o universo da medicina. Dos grupos mais valiosos do mundo até startups recém-fundadas, muitos enxergaram no setor da saúde a combinação de necessidade com espaço para inovação.
Entre os usuários as reações às possibilidades tecnológicas ainda são variadas. Na funcionalidade da Apple, por exemplo, há quem destaque o lado positivo do recurso.
“O tipo de arritmia cardíaca mais frequente é a fibrilação atrial, que eleva o risco de derrame cerebral. Estima-se que até 3% da população tenha o problema, sendo uma parte assintomática. Portanto, investir em um relógio capaz de identificar batimentos irregulares e avisar o usuário sobre a necessidade de buscar tratamento me parece muito promissor”, diz o cardiologista Enrique Pachón, do Hospital do Coração de São Paulo (HCor).
No entanto, ele teme falsos diagnósticos, ou seja, que os resultados analisados pelo relógio levem as pessoas a acreditar que possuem problemas cardíacos e a procurar ajuda médica sem precisar, sobrecarregando serviços de saúde. “O que me parece mais perigoso é o paciente chegar ao diagnóstico e escolher o próprio tratamento sem a participação de um profissional”, afirma Pachón.
Além disso, ter um exame como o eletrocardiograma acessível em qualquer lugar pode levar ao vício em acompanhar os próprios registros de saúde. “O paciente passa a crer que só está seguro se usar o dispositivo, checando-o repetidamente e com intervalos muito curtos”, pondera André Feldman, cardiologista da Rede D’Or São Luiz, em São Paulo.
Ainda assim, é inegável que avanços que ajudam a salvar vidas são sempre bem-vindos, e essa tendência high-tech é, no final, positiva nesse sentido. Pesquisas com inteligência artificial vão auxiliar médicos a interpretar exames, diagnosticar doenças, sugerir tratamentos eficazes e até encontrar a melhor dieta para cada indivíduo com base no DNA. Há, ainda, uma infinidade de aplicativos de celular com funções que vão de regulação do sono a controle de glicose no sangue.
O que ainda está em discussão – e a luz no fim do túnel parece distante – é a privacidade dos dados dos usuários nesses processos de análise. Essas ferramentas coletam uma quantidade enorme de informações e pouco se sabe sobre o que acontece com elas depois.
Por enquanto, está ao alcance do paciente utilizar essas tecnologias de forma consciente, informando-se sobre termos e condições de privacidade e atualizando com frequência as configurações de seus dispositivos eletrônicos pessoais para tentar garantir que esteja compartilhando apenas o que for desejado.
Atualmente, o universo médico brasileiro está voltado para duas importantes discussões em relação à tecnologia: a prática da telemedicina e a digitalização do histórico de saúde dos pacientes.
Em fevereiro, o Conselho Federal de Medicina (CFM) desistiu de publicar uma resolução que regulamentava a telemedicina no país e estabelecia normas para consultas online e até cirurgias à distância, realizadas por médicos controlando robôs. Outros setores de saúde exigiram uma discussão mais ampla sobre o tema.
“A telemedicina é uma realidade no Brasil, mas a resolução vigente é antiga. No entanto, uma nova exigiria que os médicos fossem muito bem treinados para que pudessem se relacionar com o paciente por meio de uma tela”, diz Antonio Carlos Endrigo, diretor de tecnologia da informação da Associação Paulista de Medicina.
A digitalização de prontuários médicos também engatinha no país. Ainda estamos em fase de discutir as leis para permitir que o processo aconteça. A título de comparação, nos Estados Unidos mais de 90% dos hospitais tiveram seus registros totalmente informatizados na última década.
O objetivo é reunir em um só sistema todas as informações da trajetória médica de uma pessoa, evitando que se fragmentem em diferentes serviços de saúde e dando ao paciente o poder do acesso ao seu histórico. Por outro lado, ainda há muito o que discutir sobre a proteção desses dados – ou seja, sobre quem pode acessá-los e em quais condições.
“As novas tecnologias são muito provocativas quando se fala de informação. A Lei Geral de Proteção de Dados do Brasil, que deve entrar em vigor no ano que vem, aborda esse tema e estabelece de quem é a responsabilidade de proteger a privacidade dos pacientes”, conclui Antonio Carlos.
Investimento pesado
O que as grandes empresas de tecnologia estão desenvolvendo na área da saúde. Confira:
Apple
A companhia mais valiosa do mundo não esconde a intenção de ocupar esse universo em diferentes frentes. O foco maior é nos dispositivos móveis pessoais, como celular e relógio inteligente.
O objetivo é que esses pequenos aparelhos funcionem como equipamentos e permitam que o próprio usuário tenha controle de seus exames e diagnósticos, decidindo quando, onde e com que frequência deseja procurar médicos e se submeter a atividades preventivas.
A multinacional tem investido em estudos sobre como a inteligência artificial pode transformar a medicina. Uma das áreas em que houve maior avanço é a oftalmológica.
O Google desenvolveu um algoritmo capaz de diagnosticar, com a ajuda de uma tela e um computador, a retinopatia diabética, condição provocada pela doença crônica que, se não tratada adequadamente, pode levar à perda irreversível da visão. Hoje, só é detectada por poucos médicos com treinamento específico em alguns lugares do mundo.
Amazon
Recentemente, a americana anunciou planos de vender um software capaz de ler o histórico médico de um paciente e sugerir caminhos para seu tratamento.
Embora tenham existido outras tentativas de criar um algoritmo do tipo, a Amazon pretende aplicar nessa área médica um software parecido que já foi desenvolvido e bem sucedido em outros setores, como o do turismo e o do atendimento ao consumidor.
Tecnologia no dia a dia
As iniciativas inovadoras que podem entrar na sua rotina em breve. Confira:
Coach de saúde mental
O aplicativo Mindscape, disponível apenas em inglês, foi lançado recentemente para ajudar pessoas a lidar com crises de ansiedade e ataques de pânico. Permite que os usuários interajam com a assistente virtual inteligente dos dispositivos eletrônicos da Amazon, respondendo a perguntas sobre seu estado emocional e recebendo orientações de técnicas de respiração relaxante.
A ferramenta também compartilha sugestões personalizadas de sons ambientes, cientificamente comprovados como benéficos para a saúde mental.
Delivery de tratamento
A tecnologia, que funciona no Reino Unido, foi criada para facilitar a vida de pacientes com doenças crônicas que tomam medicamentos de prescrição diária.
Pelo aplicativo, os usuários informam quais remédios precisam e o nome de seus médicos. A ferramenta os providencia e entrega na casa do paciente, além de enviar lembretes sobre quais deles devem ser ingeridos e quando.
Uma foto para seu exame laboratorial
O kit de coleta de urina doméstico Dip.io, desenvolvido em Israel, propõe um exame médico no estilo faça você mesmo. O paciente coleta uma amostra de urina e insere no frasco um palito. Depois, o dispõe em um pequeno painel de código em cores.
Com o aplicativo da marca, o usuário envia uma fotografia desse comparativo para análise. Em retorno, recebe diagnóstico de doenças renais crônicas, infecção urinária e hipertensão em grávidas. Ainda não é comercializado no Brasil.