Encontramos a atriz norte-americana Laura Harrier numa manhã gelada de quarta-feira de fevereiro, em Paris. Eram dez horas quando ela chegou ao hotel Le Bristol e pediu um cappuccino, antes da entrevista.
Aos 29 anos, Laura contou que demorou a entender que a liberdade feminina não era algo tão disseminado mesmo entre garotas de sua geração. Isso porque, na sua casa, as mulheres sempre tiveram voz, e ela só percebeu que havia sido criada por uma feminista quando se confrontou com mulheres que acreditam que não é preciso militar pelos direitos femininos. “Fui envolvida com o feminismo por causa da mulher que me criou, minha mãe. Sempre me identifiquei como feminista, sendo filha de uma. Para mim não era nada demais, até que começaram a me perguntar sobre isso e percebi que a maioria das pessoas não tinham essa educação familiar.” Não à toa, hoje Laura é uma das grandes apoiadoras do Time’s Up.
A liberdade com que foi criada delineou a atriz que ainda hoje se vê como uma simples garota de Illinois, nos Estados Unidos, onde nasceu e foi criada. “Tive uma infância muito normal e americana. Cresci numa cidade onde Clube dos Cinco, A Garota de Rosa Shocking e todos esses filmes americanos sobre high school se passam. Foi uma infância boa, suburbana, e ter a sorte de que os meus pais amavam viajar nos deu uma visão de mundo muito ampla. Acho que fui capaz de enxergar além da minha própria experiência individual.”
Uma liberdade que acabou levando o acaso a fazer de Laura (ela garante que não pretendia ser atriz) uma artista respeitada pelos papéis que encarna no cinema, como Liz Allan, em Homem-Aranha: De Volta ao Lar, e a ativista Patrice em Infiltrado na Klan, filme que ganhou Oscar de melhor roteiro em 2019.
Para este papel, fez uma ampla pesquisa com ativistas do movimento negro, em especial com fundadores do dos Panteras Negras, partido que lutava contra o raciscmo e a violência policial nos anos 60. “Sempre senti que minha visão de mundo era alinhada com movimentos como esse. Mas definitivamente aprendi muito nesse processo. Não aprendi na escola sobre Malcolm X ou os Panteras Negras. E acho que isso se deve à propaganda proliferada na época dos movimentos dizendo que eles eram violentos”, diz ela, que se define como birracial por ser filha de mãe branca e pai negro.
A mistura de força e delicadeza também rendeu a Laura o convite para ser uma das embaixadoras da Louis Vuitton, algo que a conecta com moda, assunto que lhe interessa pelo fato de a roupa ser uma expressão social, e não exatamente por seguir esta ou aquela tendência. “Amo o Nicolas [Ghesquière, diretor-criativo da linha feminina da maison francesa] e amo trabalhar com ele. É maravilhoso.”
Laura é reservada quando o assunto é amor. Por quatro anos namorou o músico Ian Longwell, mas virou alvo da mídia quando se envolveu com Kay Thompson, famoso jogador de basquete do time Golden State Warriors. A discrição de Laura quanto aos relacionamentos entra em acordo com seu discurso. A garota simples de Illinois não busca fama, toca sua vida com a liberdade de não ser invadida, rotulada.
Parece que o que ela quer mesmo é fazer da sua arte, a atuação, o seu canal de passagem, a sua maior forma de comunicar ao mundo o que ela acredita ser primordial. “Contar histórias sobre a experiência humana, quero continuar fazendo isso. E fazer personagens com que as pessoas possam se identificar. Acho que muitas pessoas se identificam com a Patrice, e isso tem sido muito legal de ver. Ou como no Homem-Aranha. Meninas e mães falaram pra mim: ‘Nossa, nunca pensei que fosse ver uma mulher como você em um filme como esse’. Eu mesma não tive isso na infância ou adolescência. Não via garotas como eu nos filmes”, finaliza.