Com apenas 21 anos, Alessandra Aires Landim já tem um currículo considerável. Depois de passar cinco anos se apresentando ao lado do grupo Dream Team do Passinho – onde era conhecida como Lellêzinha –, resolveu tomar as rédeas de sua carreira. Além de alterar o nome artístico para Lellê, ela lança, este mês, “Mexe a Raba”, primeiro single de um álbum previsto para sair ainda este ano pelo selo Blacktape, da cantora Preta Gil. Em setembro, subirá ao Palco Sunset, do Rock in Rio, onde cantará ao lado da cantora luso-brasileira Blaya. “Este é um momento especial, com várias coisas boas acontecendo. Estou confiante como nunca estive antes. É muito bom fazer um trabalho que eu acredito. E do meu jeito.”
Esse “jeito” inclui desde sempre um senso estético apurado e um olhar fashion que a fez parar em uma das três capas de nossa edição de aniversário. “A favela é moda. Quem mora ali já nasce com ousadia e tem liberdade na hora de se vestir, usando roupas que a maioria das pessoas acha estranho com a maior desenvoltura”, defende ela, carioca, nascida na periferia da Zona Oeste do Rio de Janeiro e criada pela mãe e pelas avós na favela do Morro do Coqueiro.
Maria José, a avó paterna, é pastora e a carregava para a igreja evangélica. Foi lá que Lellê começou a cantar ainda pequena. “No fundo sempre quis ser artista. Mas aquele ambiente me prendia e eu queria me mostrar, evoluir”, lembra.
Como a mãe ainda não permitia que ela frequentasse os bailes e outras favelas por ser muito nova, esperava o irmão mais velho voltar das festas para aprender novos passos, que iam todos parar no YouTube. Com 11 anos já era famosa na rede e na vizinhança por suas participações em batalhas de passinho virtuais. “Queria ser vista e finalmente tinha encontrado algo que me deixava feliz”, conta.
Só três anos depois conseguiu autorização da mãe para sair e aí ela se jogou: dançou em eventos, bailes e batalhas (desta vez na vida real) em comunidades espalhadas pela cidade onde era a única garota. “Fui a primeira mulher a ser respeitada no movimento. Ia para a escola, dançava e ganhava meu dinheiro. Me divertia sempensar em nada profissional.”
Aos 15 anos, se deu a primeira virada: Lellê foi escalada para gravar uma propaganda da Copa do Mundo realizada no País ao lado dos garotos com quem viria a formar o Dream Team do Passinho. Além de dançar, começou a cantar, e virar musa do grupo foi apenas uma consequência natural de seus talentos. De repente, ela, que nem sonhava em atuar, foi convidada para um teste na novelinha da Rede Globo Malhação e passou.
Paralelamente, o Dream Team colecionava feitos de gente grande. Com eles, ainda Lellêzinha, gravou o álbum Aperte o Play! em 2015, que lhes rendeu a primeira turnê internacional, com passagens pelos Estados Unidos, França e Angola e alguns videoclipes, como “Oi Sumido” e “Vida”, este último ao lado de Ricky Martin. Juntos, renderam mais de 100 milhões de visualizações no YouTube.
Em 2016, o time foi convidado para participar da abertura e do encerramento da cerimônia dos Jogos Olímpicos no Brasil e, a essa altura, tanto a mãe quanto as avós já se enchiam de orgulho. Depois da primeira experiência em dramaturgia, lá em 2014, vieram ainda uma novela (Totalmente Demais), participações em séries, como Segredo de Justiça e Mister Brau, e o longa Correndo Atrás (2018). Com elenco encabeçado por Aílton Graça e Juliana Alves, o filme foi dirigido por Jeferson De, que lhe encomendou uma música. Ela escreveu “Nega Braba” pensando em sua própria história (este inclusive é seu apelido entre os amigos).
Mas, para ela, o ápice foi a apresentação ao lado de Alicia Keys no palco do Rock in Rio, em 2017. “De repente, eu tinha passado daquele estágio de imaginar qual seria meu maior sonho na vida. Foi uma das coisas mais marcantes que me aconteceu”, conta.
Com o mundo lhe abrindo as portas, natural que aos poucos ela começasse a pensar em dar os primeiros passos em direção a uma carreira solo. Vogue ouviu seu primeiro single, “Mexe a Raba” em primeira mão e só podemos dizer: prepare-se! Quem espera o já tradicional funk, vai se surpreender – boogie dos anos 70, influências da música africana, do soul e do trap (estilo mais instrumental do rap) e alcance vocal de tirar o fôlego, está tudo ali, perfeitamente embalado para as pistas. Sem querer, ela deixa escapar que o disco terá participações especiais e que será, obviamente, dançante. “Adoro rebolar, então é natural que tenha ritmo. Isso vem de casa, na minha família, junta-se duas pessoas e já vira uma festa. É como na África, tudo é música, tudo é dança”, filosofa.
Do alto de seu um milhão de seguidores no Instagram (@lelle), ela – que apagou todas as fotos de sua antiga fase – conta que não passa o dia conectada. Ao contrário. “Minha relação com a internet é saudável, me incomoda ter de ficar sempre online”, reflete. “Converso com meus fãs e tenho um olhar cauteloso com o que publico. Nunca passo a visão de que sou perfeita, mas entendo que tenho esse lugar de responsabilidade.” Ou seja, ela sabe que, como artista, acaba sendo referência. “Essa representatividade é importante para inspirar a menina que me vê pela primeira vez na capa da Vogue. Isso abre possibilidades para que ela se olhe e pense: ‘Se ela chegou, eu também posso’.”
Impossível neste ponto da conversa não falar sobre o momento em que o empoderamento negro é uma realidade. “As pessoas estão mais ligadas nos acontecimentos e nada mais passa batido. Além disso, é fundamental que ocupemos os espaços”, diz, lembrando que nem sempre foi fácil. “Já cheguei em lugares onde muitas pessoas não entendiam o que eu estava fazendo ali, principalmente por ter vindo de onde vim”, conta. “Isso só me ajudou a entender que não interessa o que as pessoas achem, é importante assumir meu lugar de fala, como mulher, preta e favelada.”
Desde que começou a traçar essa guinada na carreira, Lellê passou a ser assessorada por Patricia Zuffa, stylist que já cuidou dos looks de Ivete Sangalo e Marina Ruy Barbosa, entre outras celebs. “Quando nos conhecemos, fui muito sincera. Disse que usaria Chanel, Gucci e outras marcas que já uso, como Forever 21 e Zara, mas queria misturar com peças simples, das feirinhas onde costumo comprar. Não preciso vestir roupas caras da cabeça aos pés. Essa sou eu.”
Ao mesmo tempo em que diz gostar de um estilo mais esportivo, confessa que também ama peças clássicas e glamorosas. “Não sou muito ligada a marcas gringas, mas gosto de Jeremy Scott, Nike e Adidas. Às vezes até uso as duas juntas, contrariando quem diz que elas não se misturam”, ri. “Não tenho medo de ousar.”