Moda

Mateus Cardoso é o nome da alfaiataria contemporânea para ficar de olho

Com produção slow e apenas sob encomenda, Mateus Cardoso resgata o ofício da alfaiataria por definição e oferece o luxo da roupa pensada exclusivamente para cada cliente

Na segunda semana de janeiro, Mateus Cardoso me recebeu em seu novo ateliê, em Perdizes, São Paulo, para onde se mudou há um ano, após deixar o antigo endereço na Vila Buarque. Nas araras, a coleção de estreia do estilista no São Paulo Fashion Week, desfilada em novembro passado. Sobre as mesas de trabalho do mineiro, os “poucos” recursos que utiliza: tesouras, sua máquina de costura, um ferro, alguns moldes e croquis. “Você só precisa de uma máquina e um ferro para fazer a alfaiataria acontecer”, brinca. Por definição, o alfaiate é o nome dado ao profissional que cria roupas masculinas, como calça, costume e camisa, de maneira artesanal e sob medida, sem produção em série ou padronização preexistente. A prática datada do século 13 existe até os dias de hoje, mas tem perdido força para uma moda fugaz. Mateus Cardoso faz parte de uma leva de jovens designers que têm reenergizado o ofício.

Natural de Monte Belo, no sul de Minas Gerais, o estilista de 26 anos teve uma das coleções mais comentadas da última edição do SPFW, mesmo sem celebridades na passarela ou na primeira fila. A alfaiataria primorosa voltou os olhares de todos para o corte, o caimento e o que constitui uma boa peça de roupa.

O interesse pela moda não veio de berço. Mateus é parte de uma família de agricultores de café e, hoje, o caçula é o único dos seis irmãos que não trabalha na área. Já quis ser piloto de avião e chegou a cursar um semestre de relações internacionais, mas foi a partir da sugestão de um amigo que resolveu se jogar no mundo da moda, mesmo sem ter muitas referências. Conseguiu uma bolsa integral para cursar design de moda na Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo, e começou a chamar a atenção em 2019, ano de sua graduação, quando ganhou o concurso Sou de Algodão e desfilou suas primeiras coleções em duas edições da Casa de Criadores. Foi essa visão de fora e o seu interesse pela construção da roupa, muito antes da imagem ou de todo o glamour associado ao mercado, que definiram a construção do modus operandi do estilista.

O rompante pela alfaiataria veio logo no segundo ano da graduação, quando um professor sugeriu que conhecer a técnica o faria costurar mais rápido. Mateus decidiu aprendê-la como nos velhos tempos: na prática. Fez um curso de camisaria na escola de alfaiataria comandada pela Associação dos Alfaiates e Camiseiros do Estado de São Paulo (AACESP) e depois bateu de porta em porta na capital paulista, recebendo vários “nãos”, até que, finalmente, um dos alfaiates mais tradicionais da cidade (hoje já falecido e, na época, com 92 anos) topou ensiná-lo. “Percebi que havia algo muito especial ali, mas que estava muito distante da moda. Um precisa do outro”, opina.

O estilista preza pela tradição, mas não tem medo de reimaginá-la e dar seu toque de originalidade aos clássicos. “É preciso conhecer as regras e as bases para desconstruí-las. Acho que o que a alfaiataria pode aprender com a moda é essa flexibilidade de experimentar e inovar.” Nas mãos de Mateus, um corset é criado a partir de diferentes golas de camisas; um paletó recebe marcações de corte aparentes, como em um molde; e as calças possuem dobras acima do cós. Todos os clássicos da alfaiataria estão ali, mas a camisa é apenas metade listrada; o terno de passeio completo é finalizado com uma minissaia sobre a calça; os paletós têm pregas ou recortes em preto e branco. “É nessa desconstrução que eu me encontro.”

Não é só na estética que Mateus se inspira nos alfaiates. “Eu não queria viver 100% para o meu trabalho e, hoje, consegui encontrar um ritmo que faz sentido para mim e para a marca.” Desde que começou, ele vende suas criações exclusivamente sob encomenda. Seus clientes podem escolher entre roupas pensadas a quatro mãos ou modelagens que Mateus já possui, como as da coleção do SPFW, que funciona como um mostruário. O desenvolvimento, incluindo as provas, dura em média um mês e meio. “Esse processo é muito íntimo e pessoal, você consegue entender os interesses, inseguranças e vontades do cliente, algo que só acontece com a criação sob medida. Eu vejo a roupa como uma armadura que eu crio para aquela pessoa. Além de se sentir bonito, também queremos nos sentir únicos.” Em média, ele consegue atender cerca de oito clientes por mês. Em um mundo de roupas e tendências quase descartáveis, não há nada mais luxuoso que uma produção lenta e pensada exclusivamente para uma única pessoa.

Ele toca sua vida e seus planos mais ou menos da mesma maneira que sua produção: dando tempo ao tempo. Sem pretensão de participar da próxima edição da semana de moda paulistana (que acontece em abril), Mateus diz que precisa permitir que sua última coleção floresça e se desenvolva. Ele também não deseja lançar novos produtos, já que acredita na importância de uma moda perene para a sua estratégia a longo prazo. Ainda que exista a vontade de produzir em formato prêt-à-porter, Mateus gostaria de criar acessórios – as bolsas e cintos desfilados em novembro são modelos únicos e serão vendidos –, além de, eventualmente, disponibilizar um guarda-roupa básico e essencial para o varejo. “Tenho essa vontade de estabelecer meus clássicos e tê-los de pronta-entrega, isso vai acontecer aos poucos.” Após desenvolver alguns trajes de noivos, adoraria também produzir pela primeira vez uma noiva.

Com uma relação próxima com a Santa Marcelina, onde tem constantes trocas com alunos mais recentes, conclui: “No fim das contas, meu maior objetivo é contribuir para a moda nacional, por isso faço questão de compartilhar conhecimento”.

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