Esta segunda (dia 27) completa um mês da morte do modelo Tales Cotta, que passou mal e caiu no chão enquanto desfilava para a grife Ocksa, na mais recente edição da São Paulo Fashion Week.
Na ocasião, tanto a organização do evento quando a Ocksa foram criticados por não terem interrompido imediatamente programação, reacendendo o debate sobre supostas más condições de trabalho na indústria da moda.
Morte de modelo detona crise na São Paulo Fashion Week e fashionistas se posicionam sobre indústria da moda
Na última semana, o portal G1 teve acesso ao laudo necroscópico do Instituto Médico Legal (IML) – o documento atesta que uma doença no coração não diagnosticada em vida provocou um edema pulmonar agudo, provável causa da morte de Tales. A família, no entanto, ainda não teve acesso ao material.
“Eu não acredito. Uma pessoa que tem problema de coração subiria um morro sem ficar cansado? Ele fazia crossfit, corria no parque Ibirapuera. Como nunca sentiu nada?”, questiona Heloisa Cotta, mãe do modelo.
Em conversa com Marie Claire, Heloisa, que trabalha como funcionária pública na prefeitura de Manhuaçu, Minas Gerais, contou como foi o primeiro mês após a morte do filho. Ela afirma não ter mantido contato com a organização da SPFW ou com a marca, e espera que o que aconteceu com Tales sirva para evitar que a história se repita em outros eventos. No mais, sua meta é seguir adiante.
“Viver a vida, como o Tales mandava. Ele dizia: ‘Saia, divirta-se, a gente vive pra isso’. É isso que eu vou fazer”.
Marie Claire: A morte do Tales está completando um mês. Como tem sido sua vida desde aquele 27 de abril?
Heloísa Cotta: Está muito difícil. Estou levando: voltei ao trabalho, estou tendo que dar apoio às minhas duas filhas e sentindo muita falta dele. À medida que o tempo vai passando, vou sentindo mais ainda. A ficha está caindo. O Tales era muito meu companheiro. Mas não posso parar. Tem pessoas que dependem de mim.
MC: Na semana passada foi divulgado o laudo com a causa da morte. A senhora já teve acesso ao documento?
HC: A família não tem o laudo ainda. Eu estava mandando os documentos para o Rogério (Campaneli, agente de Tales) fazer uma procuração, mas divulgaram antes. Achei uma falta de respeito enorme. Alguém do IML fez isso. Foi muito feio isso. Estou muito desgastada, cansada. Não vou bater de frente. Não compensa. Tem advogados me oferecendo para processar quem divulgou, mas eu não quero. O Tales precisa de paz.
MC: O resultado aponta para uma doença no coração que não havia sido diagnosticada em vida. A senhora sabia de algo?
HC: Não e não acredito. Como uma pessoa que tem problema no coração sobe um morro sem ficar cansado? Ele fazia crossfit e corria no parque Ibirapuera. Como nunca sentiu nada? Quando ele estava aqui, ia à academia comigo, subia morro… Nunca reclamou de dor no peito. Nunca reclamou de nada. Mas, enfim, isso não vai trazer meu filho de volta.
MC: E o laudo descartou a presença de álcool e drogas, o que você sempre afirmou…
HC: Se desse alguma coisa nesse sentido, eu ia rebateria veementemente. Ele sempre foi contra as drogas. Não gostava de tomar nem comprimido para a gripe.
MC: Durante este mês, você teve contato com a organização da São Paulo Fashion Week ou com a Ocksa, a marca para a qual ele desfilava?
HC: Quando saiu a matéria com o laudo, mandei uma mensagem ao Paulo Borges [diretor da SPFW] dizendo que estava chateada, mas ele não me respondeu. Com o pessoal da marca [Ocksa], só falei no dia que eles postaram nas redes sociais. No post, diziam que estavam chateados, e eu comentei que eles não tinham culpa. Continuaram o desfile porque não sabiam o que tinha acontecido. Foi só nesse dia mesmo.
MC: A morte do Tales provocou uma série de reações e protestos sobre a indústria da moda. Qual sua opinião a respeito?
HC: Tenho certeza que ele faleceu praticamente ali [na passarela]. Colocaram ele na maca, não fizeram o procedimento ali [de reanimação]. Só na ambulância prestaram os primeiros socorros. Não questiono se foi demora no atendimento porque eu não estava lá. Só quero que não seja em vão. Que sirva para que, nos próximos eventos, exista uma ambulância no local, paramédicos, desfibrilador, tudo o que for preciso. Nunca se sabe quando alguém pode precisar.
MC: De onde vem sua força para lidar com o luto? É do espiritismo, sua religião?
HC: Toda religião ajuda. O que vale é a fé que está dentro da pessoa. Lógico que o espiritismo te dá um entendimento melhor da morte. Mas tem muitos espíritas que também não aceitam. Eu acredito que há vida depois da morte. Acredito em reencarnação. Sei que ele está num lugar bom, bem amparado. Mas espírita também chora, não é perfeito. A gente ama todos os filhos, mas tem sempre um com quem temos mais afinidade. O Tales era o que tinha mais afinidade comigo: viajávamos juntos e ele não tinha segredos para mim. Era para ele estar comigo agora, neste momento, porque ele ia para Milão em junho. Então ele teria vindo passar o Dia das Mães e estaria aqui até a viagem.
MC: Ele tem recebido várias homenagens. Isso traz algum conforto?
HC: Ele foi homenageado aqui, na minha cidade, pela Academia de Letras. Fico muito feliz, pois é bom saber que um filho seu é tão querido. Vejo tantas mães perdendo filhos para as drogas, em assaltos. Nunca tive problemas desse tipo com meus filhos, graças a Deus. É tão bom ver um filho rodeado de amigos. Até agora não chegou alguém pra falar nada de mal dele. Tales sempre foi um ótimo filho.
MC: O que você espera daqui em diante?
HC: Quero paz. Continuar minha vidinha. Estou pretendendo voltar à academia e viver a vida, como o Tales mandava. Ele dizia: ‘Saia, divirta-se, a gente vive pra isso’. É isso que eu vou fazer.