Moda

Savoir-faire africano e intercâmbio cultural na passarela do cruise 2020 da Dior

Verdadeiros megahappenings de moda armados pelas maisons mais tradicionais, os desfiles cruise há pouco tempo se tornaram uma tradição. A ideia de criar uma coleção off-season surgiu a partir de uma necessidade específica dos clientes de marcas exclusivas: roupas de meia-estação para as férias de inverno passadas em destinos mais quentes. Justamente por essa razão, as cruise são apresentadas fora da temporada tradicional do ready-to-wear e têm como foco, claro, os clientes mais fiéis. Os desfiles de cruise — assim como os de pre-fall — também são uma forma das marcas de luxo celebrarem seu savoir-faire, um leisurewear mais despojado, porém com ares e minúcias típicos da alta-costura.

Por essas razões, os desfiles, que acontecem geralmente no mês de maio, levam os convidados para destinos inspiradores ligados à coleção. Neste ano, para seu cruise 2020, Maria Grazia Chiuri escolheu o Marrocos — mais especificamente um antigo palácio de Marrakesh — como palco. A primeira razão, é mais óbvia e tem ligação com o DNA da maison: em 1960, Yves Saint Laurent, que tocava a criação da Dior na época, criou um casaco inspirado na cidade marroquina que se tornou ícone da década.

A segunda, no entanto, tem toda a mão de Chiuri, que vem rejuvenescendo cada vez mais a marca. Ao invés de celebrar as tradicionais técnicas dos ateliês franceses e europeus que sempre fizeram parte da história da Dior,a estilista preferiu celebrar o savoir-faire africano — com o devido cuidado que uma marca originária de um país colonialista deveria ter para não cair no tribunal da apropriação cultural.

Para isso, a diretora criativa se juntou com a antropóloga francesa Anne Grosfilley, que serviu de guia durante a criação da coleção. Grosfilley apresentou Chiuri à Uniwax, uma fábrica de cera especializada na Costa do Marfim, e à minuciosa técnica de impressão feita à mão que forma a padronagem. “É diferente do que foi feito antes, porque geralmente os designers gostam da ideia do que ‘parece africano”, enquanto não fornecem trabalho ou fazem algo que é realmente africano”, disse a antropóloga à Vogue americana. E foi aí onde Chiuri teve sucesso, promovendo têxteis de origem africana, sem cair numa ideia europeia do que seria o estilo africano.

Os tradicionais símbolos da marca (a silhueta New Look, toiles de jouy e elementos do tarô) foram reinterpretados numa coleção transcultural e pan-africana, com Chiuri colaborando (e dando o devido crédito) ao pintor afro-americano Mickalene Thomas, a estilista jamaicana-britânica Grace Wales Bonner e o designer da Costa do Marfim, Pathé Ouedraogo, famoso pelas camisas que fez para Nelson Mandela. O livre diálogo ficou claro numa coleção cheia de pluralidades: as conhecidas silhuetas da Dior ganhavam ganharam um perfume mais fresco e fluido, com as estampas de cera da Uniwax dando cor a vestidos-coluna, com leves drapeados no busto; calças cropped sob jaquetas estruturadas com cores e movimento no tecido. Sem falar de ponchos de tricô intarsia multicoloridos, vestidos de seda esvoaçantes, e rendas brancas bordadas com vidro de Murano. Mais um ponto positivo para a maison (e Maria Grazia), que sabe esteticamente discutir temas que fazem parte de um debate que vai além da moda.

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